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sábado, 15 de julho de 2023

Book review: The Chile Project: The Story of the Chicago Boys and the Downfall of Neoliberalism, Sebastian Edwards - Richard Feinberg (Foreign Affairs)

Seria preciso especificar que o neoliberalismo da ditadura chilena só interveio depois de uma primeira fase de políticas autoritárias e dirigistas pelo próprio general Pinochet, um monstro humano e um ignorante em economia.


The Chile Project: The Story of the Chicago Boys and the Downfall of Neoliberalism

By Sebastian Edwards
Princeton University Press, 2023, 376 pp.
Published on 

Reviewed by 

At the height of the Cold War, the far-right economics department of the University of Chicago, with the support of the U.S. government, recruited students from then democratic Chile. When General Augusto Pinochet seized power in 1973, he hired these “Chicago boys” to apply their extreme free-market fundamentalism to the Chilean economy. Remarkably, the left-of-center democratic governments that succeeded Pinochet’s regime after 1990 maintained many of those market-friendly prescriptions. Edwards, a Chilean-born economist with a Ph.D. from the University of Chicago, narrates a fascinating insider intellectual history of the policies and personalities behind Chile’s economic development in recent decades. But he struggles to explain the unanticipated popular uprising in 2019 against this doctrinal “neoliberalism” with which he largely sympathizes. Although the economic model had generated strong growth, reduced extreme poverty, and expanded the middle class, Edwards now finds that many policymakers neglected stark, persistent inequalities; corporate collusion had eroded free-market competition; and public policy may have gone too far in interjecting market competition into education, health care, and retirement pensions. Looking forward, Edwards suggests that Chile may yet find a more sustainable middle road as a European-style social democracy, with less spectacular economic growth but greater social cohesion.

From Amazon.com: 

How Chile became home to the world’s most radical free-market experiment―and what its downfall suggests about the fate of neoliberalism around the globe

In 
The Chile Project, Sebastian Edwards tells the remarkable story of how the neoliberal economic model―installed in Chile during the Pinochet dictatorship and deepened during three decades of left-of-center governments―came to an end in 2021, when Gabriel Boric, a young former student activist, was elected president, vowing that “If Chile was the cradle of neoliberalism, it will also be its grave.” More than a story about one Latin American country, The Chile Project is a behind-the-scenes history of the spread and consequences of the free-market thinking that dominated economic policymaking around the world in the second half of the twentieth century―but is now on the retreat.

In 1955, the U.S. State Department launched the “Chile Project” to train Chilean economists at the University of Chicago, home of the libertarian Milton Friedman. After General Augusto Pinochet overthrew socialist president Salvador Allende in 1973, Chile’s “Chicago Boys” implemented the purest neoliberal model in the world for the next seventeen years, undertaking a sweeping package of privatization and deregulation, creating a modern capitalist economy, and sparking talk of a “Chilean miracle.” But under the veneer of success, a profound dissatisfaction with the vast inequalities caused by neoliberalism was growing. In 2019, protests erupted throughout the country, and in 2022 Boric began his presidency with a clear mandate: to end 
neoliberalismo.

In telling the fascinating story of the Chicago Boys and Chile’s free-market revolution, 
The Chile Project provides an important new perspective on the history of neoliberalism and its global decline today.

quinta-feira, 14 de julho de 2022

No Chile, a Constituição da nova esquerda (vai destruir o governo atual e os seguintes) - Demetrio Magnoli (FSP)

No Chile, a Constituição da nova esquerda 

Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo sábado, 9 de julho de 2022

Se aprovada em plebiscito, proposta destruirá o governo de Gabriel Boric


            "O Chile é um Estado social e democrático de Direito. É plurinacional, intercultural, regional e ecológico." A Constituição emanada da Constituinte chilena é um retrato em 3 por 4 da nova esquerda: a coleção completa de suas utopias, doutrinas e dogmas. Se for aprovada em plebiscito, destruirá o governo de esquerda de Gabriel Boric – e qualquer governo que o suceder.

            Nos seus infindáveis 388 artigos, não se contenta em listar os direitos dos humanos, determinando até que o Estado promova uma "educação baseada na empatia e respeito pelos animais" (art. 131). Segundo o artigo 18, a "Natureza" torna-se um sujeito de direitos, ao lado dos cidadãos e das nações indígenas –mas, claro, o texto não define quem fala por ela.

            A Constituinte nasceu da onda de protestos sociais de 2019 e 2020. Sob o impulso das ruas, formou-se uma maioria de ativistas de movimentos sociais e partidos de esquerda que não reflete a balança de forças real da sociedade chilena. Nas eleições do ano passado, Boric conseguiu apenas 26% dos votos no turno inicial, e a esquerda obteve 27% dos assentos na Câmara, contra 48% dos partidos de centro-direita e direita. O texto constitucional, porém, reflete um país imaginário, habitado exclusivamente pela esquerda pós-moderna.

            A política identitária esparrama-se por todas as esferas. A palavra "gênero" é mencionada 39 vezes. Garante-se a "paridade de gênero" em todos os órgãos da administração estatal, na direção das empresas públicas e, inclusive, nas organizações políticas não estatais (artigos 2 e 163). A "paridade de gênero" aplica-se, ainda, a todos os órgãos eleitos de representação popular, o que viola o direito dos cidadãos de escolher livremente seus representantes.

            De acordo com o artigo 312, os tribunais "devem resolver com enfoque de gênero", uma regra subjetiva que ergue o espectro da potencial inconstitucionalidade sobre qualquer decisão judicial. O mesmo indefinido "enfoque" aplica-se ao "exercício das funções públicas", o que possibilita judicializar os mais corriqueiros atos administrativos.

            O Estado de Direito, consagrado no artigo inicial, é relativizado pela proclamação da plurinacionalidade. Os povos indígenas são declarados "nações" e ganham direito à "autonomia" e ao "autogoverno", o que inclui "instituições jurisdicionais tradicionais" (art. 34). Daí decorre que a proteção geral dos direitos individuais, civis e políticos não se estende aos indígenas.

            A nova Constituição ampara-se na crença implícita de que o Chile é um espaço edênico de abundância ilimitada, de cujo céu jorra leite e mel. A seguridade social pública deve proteger integralmente as pessoas do nascimento à morte, inclusive nos casos de "redução dos meios de subsistência" (art. 45). Estabelece-se um direito universal ao trabalho "de livre escolha" e proíbe-se "todas as formas de precarização no emprego" (art. 46). O seu elenco de direitos abrange "moradia digna" em "localização apropriada", assegurada por ações estatais (art. 51).

            Nem todos os direitos são acolhidos pelo texto constitucional. Fica "proibida toda forma de lucro" nas instituições de educação básica, média ou superior (artigos 36 e 37). O artigo 51 veta a especulação imobiliária "que ocorra em detrimento do interesse público", um critério aberto às mais bizarras interpretações das maiorias políticas de turno.

            Uma nuvem de incerteza paira sobre o plebiscito da nova Constituição. Sondagem recente registrou reprovação de 51%, contra aprovação de 34%, Na hipótese de rejeição, o país ficará com a Constituição herdada da ditadura de Pinochet. Na hipótese oposta, o Chile rumará à ingovernabilidade e se inviabilizará o mandato de Boric, um presidente de esquerda que recusa tanto o autoritarismo quanto o populismo. De um modo ou do outro, a nova esquerda cumprirá sua missão reacionária.

 

Primeiro comentário de um leitor:

Anônimo disse...

            O preconceituoso colunista exagerou como nunca. Gosto de lê-lo, pois às vezes ele tem análises corretas e interessantes, mesmo contrárias à Esquerda e ideologicamente comprometidas. Algumas preocupações levantadas neste texto são até verdadeiras, mas a quantidade de bobagens que ele incluiu é surpreendente. Ele deve estar mesmo bem revoltado com os rumos da progressista constituição chilena!

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Chile: a direita militar pinochetista ensaia um começo de rebelião: não terá sucesso...

 Transcrevo o que recebi: 


Comienzan los problemas en Chile

¡CARTA DE UN COMANDANTE EN JEFE INSTITUCIONAL!!! 


Sugerencia del Comandante de Ejército: Jaime Manuel Ojeda Torrent 

Veterano del 73.


Del: Comandante en Jefe Institucional.

Al:  Señor Gabriel Boric Font, Presidente electo de la Nación.

Presente:

Me dirijo a usted en mi condición de Comandante en Jefe Institucional, conforme a las leyes y reglamentos vigentes, con el fin de reclamar por haber designado  como Ministro de Defensa a la señora Maya Fernández Allende. 

La designación de la señora Maya Fernández Allende, representa una severa afrenta y humillación para con nuestra institución y su sagrada historia.

El suscrito no pone en duda su derecho legal y constitucional de nombrar sus ministros, pero no puede aceptar la humillación a nuestra sagrada Institución que conlleva la designación que Ud. hace, como Ministra de Defensa,  de la señora Fernández Allende.

Su nombramiento, a todas luces, representa una subrepticia forma de vengar a su abuelo, el ex Presidente Salvador Allende Gossens, del cual usted, conforme públicamente lo ha señalado, es admirador. 

El único mérito que presenta la señora Maya Fernández Allende, para haber sido designada Ministro de Defensa, es el odio que siente para con las Fuerzas Armadas, las cuales el 11 de Septiembre de 1973, derrocaron a su abuelo 

Me es un deber moral, como Comandante en Jefe Institucional,  hacerle presente que el ex Presidente Allende, abuelo de la señora Maya Fernández, es reconocido en nuestra historia militar por el profundo daño causado a nuestra sagrada Patria y en particular a nuestra Institución.

El trascendental daño causado por el ex presidente Allende, abuelo de la Ministro de Defensa por usted designada, y sus consecuencias, aún lo pagamos con un inconmensurable daño humano, como es el que han padecido y padecen nuestros Veteranos del 73.  

Mi reclamo está basado en los siguientes hechos irrefutables que el ex Presidente Allende, realizó para  el logro de su objetivo político de imponer una dictadura comunista en el país:

-Intentó, sin lograrlo, sobornar a todos nuestros altos mandos.

-Trató de infiltrar ideológicamente nuestra Institución y fomentar la división entre oficiales y suboficiales. 

-Intentó crear un institución militar paralela a la nuestra, con el apoyo de Luis Fernández Oña, agente enviado por Fidel Castro para tales efectos, y nada menos que padre de la señora Fernández Allende.  

-Fomentó la formación, capacitación y entrenamiento guerrillero, con el apoyo humano y material, principalmente de Fidel Castro. 

-Sus terroristas del MIR, a quienes fraternalmente llamaba: "Los Jóvenes Idealistas", asesinaron a mansalva a muchos de nuestro personal y Allende graciosamente  los amnistió. 

-El primer decreto que firmó Allende, una vez que asumió el poder, fue indultar a los terroristas del MIR condenados por asesinatos, asaltos, secuestros y por colocación de bombas. 

(Espero que usted no lo imite, amnistiando a  los delincuentes terroristas responsables de las explosiones antisociales.)

En consideración a lo anterior, solicito a usted reconsiderar el nombramiento de la ciudadana Maya Fernández Allende, por conformar su designación una clara ofensa a nuestra Institución, a nuestros hombres de ayer, de hoy y del mañana.

De no hacerlo, la señora Maya Fernández, se verá expuesta a que uno de los nuestros, imite la honorabilidad y valentía moral de uno de los militares que se negó a rendir honores a Fidel Castro.

Me refiero al Coronel Alberto Labbé Troncoso (QEPD), cuyo nombre está grabado en letras de oro en la historia de las FF.AA.

Como también, por mínima moral, el suscrito le presentaría su indeclinable renuncia al cargo de Comandante en Jefe Institucional.

Ya que de no renunciar estaría traicionando a mi institución y también  a aquellos que, por culpa de Allende, han perdido la vida o se encuentran procesados, condenados, o prisioneros como los Veteranos del 73.

Si bajo resquicios legales se me acusa de deliberar, asumo las consecuencias con la dignidad que amerita mi alto cargo y por mi deber de lealtad de predicar con el ejemplo personal ante mis subalternos. 

Lo saluda atentamente,   

Fdo. Comandante en Jefe Institucional*( E,A y/o FA ).*


sábado, 25 de dezembro de 2021

Chile: escolheu a esquerda para lutar contra as desigualdades - Editorial Le Monde

 O Chile realmente melhorou enormemente a qualidade de suas políticas econômicas a partir da Concertación, nos anos 1990, ou seja, pós-Pinochet. Mas tinha, sempre teve, uma enorme concentração de renda, pois desde sempre foi um país elitista, no sentido mais mesquinho da palavra, e a maior parte dessa desigualdade tinha origem num sistema educacional deficiente. 

Os chilenos votaram bem para a Constituinte e acabam de votar melhor ainda, não tanto ao eleger um “jovem esquerdista” — como a mídia conservadora considera Borič —, mas ao recusar aderir a um fascista-pinochetista declarado, como é o Kast. Esperamos que o “esquerdismo” de Borič não comprometa a qualidade das políticas econômicas.

Paulo Roberto de Almeida 

Le Chili choisit la gauche pour lutter contre les inégalités

ÉDITORIAL
Le Monde, 21 décembre 2021
L’élection à la présidence chilienne de Gabriel Boric, au terme d’un scrutin marqué par une forte participation à l’aune du pays, est avant tout la répudiation d’un modèle économique néolibéral décomplexé. 

Le Chili a tourné une page de son histoire le 19 décembre. En portant Gabriel Boric à sa présidence, à une large majorité qu’un premier tour serré remporté par le candidat d’extrême droite José Antonio Kast ne laissait pas deviner, les Chiliens ont choisi de tourner le dos à une politique jugée responsable de profondes inégalités, épousée avec seulement quelques nuances par les majorités de droite comme de gauche qui se sont succédé au pouvoir depuis la fin de la dictature d’Augusto Pinochet.

L’élection de l’ancien dirigeant étudiant venu de l’extrême gauche, qui sera à 36 ans, en mars, le plus jeune président de l’histoire du pays, ne marque donc pas seulement un saut de génération. Sa victoire alimente en Amérique du Sud, à gauche, l’espoir d’un regain qui dépasserait en 2022 les frontières du Chili. Des élections cruciales sont prévues en mai en Colombie et plus tard au Brésil. Elles pourraient entraîner le reflux de la droite dure incarnée par Ivan Duque comme celle encore plus extrême de Jair Bolsonaro, quelles que soient les contorsions politiques de ce dernier.

Les élections législatives partielles en Argentine, en novembre, ont cependant mis en évidence les difficultés du président péroniste de centre gauche Alberto Fernandez, dont le parti a été devancé par l’opposition de centre droit. L’Amérique latine compte aussi des bastions d’une autre gauche, autoritaire, dictatoriale, au Nicaragua, à Cuba et au Venezuela, qui reste assez peu compatible avec la première.

L’élection de Gabriel Boric, au terme d’un scrutin marqué par une forte participation à l’aune du Chili, constitue avant tout la répudiation d’un modèle économique néolibéral décomplexé, incarné jusqu’à la caricature par le président sortant Sebastian Piñera, dont le mandat a été entaché par des accusations d’affairisme. Ce « modèle » chilien a fait la part belle au privé dans les secteurs de l’éducation et de la santé, générant une société à deux vitesses qu’un système de retraite par capitalisation a figée un peu plus.

Fracture sociale

Il a produit des résultats incontestables en matière de croissance du produit intérieur brut, mais au prix d’une fracture sociale mise à nu en 2019 par une lame de fond protestataire. Celle-ci a fourni le socle populaire de la victoire du 19 décembre, balayant les mots d’ordre ultraconservateurs, sécuritaires et anti-immigration de José Antonio Kast.

Gabriel Boric, dont la famille a des racines croates, s’est montré capable de rassembler derrière lui les différentes composantes de la gauche chilienne en promettant que son pays serait le « tombeau » de ce néolibéralisme. Il va s’efforcer de revenir sur les inégalités qui affligent le pays par une fiscalité plus équitable, redistributive, et le retour assumé de l’Etat, en un mot par un programme qui s’inspire, volontairement ou non, de ce qui est déjà en vigueur, et de longue date, au sein de l’Union européenne.

Il lui faudra cependant compter avec une solide opposition de droite au Parlement. Elle pourrait le contraindre aux ajustements dont l’exercice du pouvoir est souvent synonyme. Le nouveau président a déjà promis le dialogue, une nécessité autant qu’un signal encourageant pour le Chili. C’est d’autant plus le cas que le début de son mandat va également coïncider avec une révision constitutionnelle majeure qui pourrait permettre à la fois d’enterrer définitivement les années de plomb subies par le pays et de mieux prendre en compte l’ensemble des minorités chiliennes.


terça-feira, 21 de dezembro de 2021

O Chile e o Brasil: consequências políticas da vitória de Boric para o Brasil (matérias de imprensa)

 Bolsonaro perde aliados na América e sofre prejuízos do isolamento


Brasileiro colhe outro revés com a eleição do esquerdista Boric, no Chile, e inicia o último ano de sua gestão mais isolado do que nunca

Raphael Veleda
Metrópoles, 21/12/2021 

A vitória do esquerdista Gabriel Boric nas eleições presidenciais chilenas no último domingo (19/12) foi mais uma na série de más notícias para o presidente Jair Bolsonaro (PL) no cenário internacional.

Por escolha e falta de sorte, o governo brasileiro trilhou um caminho rumo ao isolamento diplomático ao longo dos primeiros três anos de mandato, segundo especialistas e diplomatas ouvidos pelo Metrópoles, e agora colhe os amargos frutos desse ostracismo.

A gestão Bolsonaro teve início em meio a uma conjuntura externa positiva. A diplomacia apostou suas fichas numa aproximação sem precedentes com os Estados Unidos, então governados pelo direitista Donald Trump, e o Brasil ainda contava com aliados ideológicos no poder na maioria dos vizinhos estratégicos: Maurício Macri, na Argentina; Iván Duque, na Colômbia; Martín Vizcarra, no Peru; Enrique Peña Nieto, no México; e Sebastián Piñera, no Chile. Três anos depois, quase todos eles foram tirados do poder pela oposição e, assim como no Brasil, na Colômbia haverá eleição em 2022 e o favorito nas pesquisas é de esquerda: o senador Gustavo Petro.

O crescente isolamento diplomático incomoda Bolsonaro e seu entorno. Enquanto esta reportagem era produzida, o presidente brasileiro era o único líder sul-americano que ainda não havia cumprimentado Boric por sua vitória. Já o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), principal antagonista político de Bolsonaro no Brasil, já havia feito isso no domingo, além de ter previsto uma aliança com o chileno e com o argentino Alberto Fernández, caso também vença a eleição do ano que vem.

A proximidade com a esquerda brasileira também fez com que Bolsonaro ignorasse a vitória de Fernández, em 2019, quando não só não o parabenizou, mas lamentou sua vitória, inaugurando uma relação fria com um dos maiores parceiros históricos do Brasil na região.

Os prejuízos
A escolha por uma política externa de enfrentamento aos organismos multilaterais e o fracasso de aliados nos quais o Brasil apostou estão causando prejuízos reais ao Brasil de acordo com o cientista político Guilherme Casarões, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e pesquisador da extrema-direita no mundo. “Portas foram fechadas e nossa margem de manobra em temas comerciais ficou bem estreita”, afirmou ele, em entrevista ao Metrópoles.

Um dos exemplos desse prejuízo foi dado pelo próprio Bolsonaro em seu discurso na última reunião de chefes de Estado do Mercosul, na semana passada, quando ele admitiu não ter conseguido avançar no objetivo de reduzir a Tarifa Externa Comum do bloco durante a presidência temporária do Brasil. “Lamentamos que não tenhamos podido lograr acordo neste semestre sobre esse tema, a despeito dos esforços realizados pelo Brasil e de nossa disposição de aceitar redução inferior àquela que planejávamos inicialmente”, disse o brasileiro.

Outros reveses
O insucesso em flexibilizar a tarifa comum no Mercosul se junta a outros problemas recentes que têm relação com o isolamento diplomático. Também na última semana, o país foi surpreendido pela notícia de que cinco redes europeias de supermercados não vão mais vender carne brasileira devido ao problema do desmatamento na cadeia de produção. Esse revés veio logo após o Brasil conseguir reverter outro boicote à sua carne, esse da China, que durou mais de três meses e causou prejuízo próximo a R$ 10 bilhões, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA).

Num cenário de longo prazo, o governo Bolsonaro viu supostas vitórias diplomáticas se transformarem em problemas. Em 2019, primeiro ano da atual gestão, o então presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou apoio à ambição brasileira de integrar a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é uma espécie de clube dos países ricos.

Com a derrocada de Trump, porém, o processo pouco andou desde então. O mesmo acontece com o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, fechado em junho de 2019, mas que não foi ratificado pelos parlamentos de países do Velho Continente, como a França. As nações que resistem usam o comportamento errático de Bolsonaro como motivo para não fecharem de vez um acordo que pode pressionar suas próprias economias.

Saída de Ernesto Araújo fez pouca diferença
A política externa brasileira tenta voltar a um comportamento mais pragmático desde março deste ano, quando um dos auxiliares mais ideológicos de Bolsonaro, o diplomata Ernesto Araújo, foi trocado pelo discreto Carlos França. Para Guilherme Casarões, no entanto, a mudança foi mais na forma do que no conteúdo.

“Claro que é positivo a gente não ter um chanceler tuitando absurdos o tempo todo, mas França não tem muito espaço para mudanças mais profundas porque é funcionário de Bolsonaro e também precisa lidar com as bravatas e maluquices do presidente”, afirmou ele, lembrando que Bolsonaro usou seu discurso na Assembleia Geral da ONU neste ano para defender a política brasileira para o meio ambiente e insistir em tratamentos ineficazes contra a Covid-19.

Para o cientista político, o prejuízo da política bolsonarista para a diplomacia brasileira ainda deverá durar algum tempo. “Quem assumir o próximo governo vai ter de lidar com um passivo diplomático muito grande e vai precisar arrumar os rumos da política externa. Se Bolsonaro for o vencedor das eleições, a dificuldade será maior ainda, pois ele está carente de aliados e necessitará inventar um jeito de lidar com um isolamento que atrapalha”.

Diplomatas do Itamaraty ouvidos pela reportagem sob a condição de anonimato concordam com essa avaliação e lamentam a perda de influência do Brasil em debates globais nos quais havíamos conquistado relevância, como em relação ao meio ambiente, aos direitos humanos e à saúde pública em nível global.

Para eles, a saída de Ernesto Araújo foi positiva, mas seu legado é forte e pode ser resumido num discurso do ex-chanceler feito em outubro de 2020, quando disse a novos diplomatas que estavam se formando no Instituto Rio Branco: “Se a nova política externa do Brasil faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”.

https://www.metropoles.com/brasil/bolsonaro-perde-aliados-na-america-e-sofre-prejuizos-do-isolamento


Bolsonaro silencia, e aliados lamentam vitória de Boric no Chile


Presidente é praticamente o único na América do Sul que ainda não se manifestou

Marianna Holanda
Folha de S. Paulo, 20.dez.2021

Um dia depois de o Chile eleger o esquerdista Gabriel Boric, Jair Bolsonaro (PL) ainda não o havia parabenizado pela vitória até as 18h desta segunda-feira (20). Aliados do presidente, por sua vez, lamentaram o resultado nas redes sociais.

Dentre os principais mandatários da América do Sul, só Bolsonaro não havia se pronunciado. Ele está, desde a sexta-feira passada (17), em Guarujá (SP).

O presidente do Paraguai, Mario Abdo Benitez, por exemplo, felicitou Boric e disse que os países trabalharão juntos para seguir fortalecendo as relações entre os países.

Já Alberto Fernandez, da Argentina, disse: "Devemos assumir o compromisso de fortalecer os laços de irmandade que unem nossos países, e trabalhar unidos na região para pôr fim à desigualdade na América Latina".

Reservadamente, embaixadores relataram mal-estar com a demora do Brasil em se manifestar. O processo deve partir do presidente, em nome do governo, e depois o Itamaraty também costuma divulgar uma nota.

Na época em que Fernández foi eleito na Argentina, em 2019, Bolsonaro não só não o parabenizou como lamentou sua vitória. O líder argentino é próximo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Líder dos protestos estudantis de 2011, Boric foi eleito no domingo (19) ao derrotar o ultradireitista José Antonio Kast. Venceu por 55,8% contra 44,1%.

Com 4,6 milhões de eleitores, o candidato da Frente Ampla se tornou mais votado da história chilena. O voto não é obrigatório no país, mas mais da metade da população compareceu às urnas (55,65%).

Ainda assim, aliados do presidente Bolsonaro ressaltavam a alta abstenção e faziam relação com a disputa em 2022 no Brasil.

"Bater no peito dizendo que não votou em político nenhum só fará a história [no Brasil] se repetir", disse Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), deputado federal e filho do presidente.

"Se não percebermos a estratégia da esquerda acabaremos governados por um deles".

Já o vereador do Rio de Janeiro e filho do presidente, Carlos Bolsonaro, disse que, "enquanto isso no Brasil", cresce o possível voto na "terceira via", que chamou de "LULO", dando a entender que pode beneficiar Lula.

O tom nas redes bolsonaristas, que levantaram a hashtag #JairOuJáEra, foi de alarmismo com a eleição chilena. O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles disse: "O Chile caiu".

A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alvesa publicou no Twitter um mapa da América do Sul com o símbolo comunista da foice e do martelo.

"Como ainda tem gente que não entendeu, me pediram para desenhar! Não é de Bolsonaro que falo, é de esperança, é de democracia! Sim, a mais importante eleição do mundo no ano de 2022 acontecerá no Brasil!", afirmou.

A imagem foi compartilhada por apoiadores do presidente.

Ainda que Boric seja diametralmente oposto no espectro ideológico a Bolsonaro, experientes diplomatas no Itamaraty veem-no como diferente de outras lideranças esquerdistas mais tradicionais da região.

A avaliação é de que ele não terá uma postura tão nacionalista na economia como Fernández, por exemplo. O Chile é um importante parceiro comercial do Brasil.

A expectativa é de que ele terá de fazer alianças com demais partidos, de forma a caminhar mais ao centro. Sua agenda à esquerda, apostam, se dará mais quanto à pauta dos "costumes", como questões de gênero.

Para conseguir se eleger, Boric teve de adotar um tom mais moderado em seu discurso e se reconciliou com a Concertação, aliança de centro-esquerda que governou o Chile por 20 anos. Ele representa a nova geração de políticos de esquerda que emergiram das revoltas estudantis de 2011.

O resultado da eleição chilena marca também a derrota de Kast, que sustenta bandeiras consideradas conservadoras do ponto de vista social e é admirador do ditador Augusto Pinochet (cujo regime matou mais de 3.000 pessoas, segundo estimativas oficiais).

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/12/bolsonaro-silencia-e-aliados-lamentam-vitoria-de-boric-no-chile.shtml?utm_source=twitter&origin=folha


Chile mostra que refluxo da direita pode chegar ao Brasil

Vitória de Boric marca virada na América Latina para governos de esquerda voltados ao diálogo e a causas sociais

Guilherme Boulos
Folha de S. Paulo, 20.dez.2021 

Enfim, abriram-se as grandes alamedas chilenas por onde passarão o homem e a mulher livres. Essa foi a previsão de Salvador Allende em seu último e corajoso discurso, antes de ter o Palácio de La Moneda bombardeado e ser morto pelas forças golpistas de Pinochet. Demorou 48 anos, mas as alamedas se abriram neste domingo.

A vitória de Gabriel Boric sobre José Antonio Kast representa uma espécie de segunda morte do pinochetismo, o mais cruel regime latino-americano. Foi a expectativa de presenciar esse acerto de contas histórico que me levou, com a delegação do PSOL, a Santiago para acompanhar as eleições.

O resultado tem dois significados diretos para a América Latina. Simboliza, primeiro, o refluxo da ofensiva direitista. No último período, a esquerda venceu na Bolívia, no Peru, em Honduras e, agora, no Chile. Já havia vencido antes no México e na Argentina. No Brasil, Bolsonaro está enfraquecido, e pesquisas indicam amplo favoritismo de Lula para 2022. Ao que parece, a onda de governos autoritários e antipopulares se desfaz antes do que muitos imaginavam.

E Boric venceu apesar de todo o jogo baixo da extrema direita. Tantas foram as fake news que ele teve que mostrar um exame toxicológico para comprovar que não usava drogas. No dia do pleito, empresas de ônibus reduziram a frota para dificultar a locomoção de eleitores, afetando mais a base de Boric. Ainda assim o comparecimento foi recorde, e a vitória foi por margem maior do que a esperada, 55% a 45%.

O segundo ponto que merece destaque é a chegada de nova geração de esquerda ao poder. Boric tem 35 anos. É produto das grandes mobilizações estudantis de 2011, que também formaram lideranças como Giorgio Jackson e Camila Valejos, com papel de destaque na coalizão vitoriosa e provavelmente no futuro governo. Foram ainda os jovens chilenos que protagonizaram as grandes mobilizações de 2019, sem as quais a vitória de Boric seria impensável.

Pude conversar com várias dessas lideranças e com o próprio Boric nesses dias em Santiago e é muito bom ver como não carregam velhos vícios políticos, têm abertura para novas pautas —com destaque para a ambiental e a feminista— e são capazes de uma comunicação mais direta com a juventude, sem chavões tradicionais.

Mas o governo de Boric terá grandes dificuldades, a começar pelo boicote anunciado de setores econômicos e por não ter maioria parlamentar. Além disso, a contraofensiva da direita se concentrará na Constituinte, formada como resposta à revolta popular. A próxima batalha será o plebiscito sobre as alterações constitucionais progressistas. E não será fácil. Na verdade, nunca foi. Mas os ventos que vem do Chile nos enchem de esperança. O próximo acerto de contas será no Brasil.

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/guilhermeboulos/2021/12/chile-mostra-que-refluxo-da-direita-pode-chegar-ao-brasil.shtml

sábado, 3 de abril de 2021

A participação do Brasil no golpe de Pinochet contra Allende - Peter Kornbluh (National Security Archive), by Malcolm Byrne

 National Security Archive: Brazil Abetted Overthrow of Allende in Chile 

by Malcolm Byrne



On 57th anniversary of military coup in Brazil, the National Security Archive Posts Declassified Documentation on Brazilian Regime's Effort to Subvert Democracy and Support Dictatorship in Chile 

 

New Book Reveals Brazilian Intervention to Undermine Allende, Bolster Pinochet 

 

Edited by Peter Kornbluh

 

Washington D.C., March 31, 2021 – The Chilean ambassador to Brazil, Raúl Rettig, sent an alarming cable in March 1971 to his foreign ministry titled “Brazilian Army possibly conducting studies on guerrillas being introduced into Chile.” Multiple sources had informed the Embassy that the Brazilian military regime was evaluating how to instigate an insurrection to overthrow the Allende government. The military had established a “war room” with maps and models of the Andean mountain range along the Chilean border to plan infiltration operations, stated the cable, classified “strictly confidential.” According to Rettig’s report, “the Brazilian Army apparently sent a number of secret agents to Chile who would have entered the country as tourists, with the intention of gathering more background on possible regions where a guerilla movement might operate.” No date had yet been set, one informant said, to initiate this “armed movement.” 

 

The revealing Rettig cable is one of hundreds of documents obtained from Brazilian, Chilean and U.S. archives by investigative reporter Roberto Simon for his new book, Brazil against Democracy: the Dictatorship, the Coup in Chile and the Cold War in South America. Published in Brazil last month, the book exposes the clandestine role Brazil’s military regime played in the September 11, 1973, coup that brought General Augusto Pinochet to power, as well as the Brazilian contribution to Chile’s apparatus of repression during his 17-year dictatorship. The book highlights the infamous Oval Office meeting in 1971 between President Nixon and the head of the Brazilian military dictatorship, a conversation originally revealed by the National Security Archive's publication of the Top Secret White House memcon and cited by Brazil's truth commission. 

 

"The book shows how the Brazilian military dictatorship actively worked to undermine Chile's democracy during the Allende years and, after 1973, to help the Chilean junta consolidate its power,” Simon noted in an interview with the National Security Archive. “Brazil provided direct support to, and a model for, the Pinochet dictatorship." 

 

“This book is a game changer for the historical narrative on imperial intervention in Chile,” according to Peter Kornbluh, who directs the Chile and Brazil documentation projects at the Archive. “It provides a far fuller understanding of the history of foreign violations of Chile’s sovereignty, and suggests there is more to be learned.” 


quinta-feira, 4 de março de 2021

O golpe de Pinochet no Chile, em 1973, com total colaboração do Brasil - livro de Roberto Simon (OESP)

 Livro do jornalista Roberto Simon revela atuação brasileira no regime Pinochet

Governo brasileiro não apenas conspirou para a derrubada de Allende, como ofereceu auxílio a Pinochet na repressão a esquerdistas

Estadão | 4/3/2021, 5h

Em setembro de 2013, o jornalista Roberto Simon embarcou em direção ao Chile para acompanhar os eventos ligados aos 40 anos do golpe contra Salvador Allende. Na bagagem, no entanto, levava um objetivo adicional: mergulhar nos documentos da chancelaria chilena que permitissem levantar informações sobre o papel do Brasil no processo e a respeito da relação da ditadura militar brasileira com o regime militar instalado pelo general Augusto Pinochet.

De volta a São Paulo, Simon publicou no Estadão uma série de reportagens que esclareciam episódios pouco claros, envolvidos em mitos que seus textos derrubaram. O governo brasileiro não apenas havia conspirado para a derrubada de Allende, como ofereceu auxílio a Pinochet, trabalhando inclusive na repressão a esquerdistas. E o fez não a mando dos EUA, como se costumava repetir: a presença no Chile atendia uma clara política de Estado preocupada com os caminhos da política no país vizinho.

A partir das pesquisas originais, Simon voltou ao Chile e fez ainda buscas em acervos no Brasil e nos Estados Unidos, como pesquisador do Wilson Center, em Washington. Completou o material documental com depoimentos e entrevistas realizadas com diversos personagens da época. E o resultado sai agora em forma de livro com o lançamento de O Brasil Contra a Democracia: a Ditadura, o Golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul (Companhia das Letras, 2021).

“A ideia era lançar o livro dois anos depois, em 2015, mas, a cada porta que se abria, outras cinco apareciam, e era preciso seguir novas trilhas”, conta Simon em entrevista ao Estadão. “No caso brasileiro, boa parte dos documentos desapareceu. O adido militar na embaixada em Santiago, por exemplo, mandava comunicações ao governo brasileiro três vezes por semana e quase não há registros disso no Arquivo Nacional. Em outros casos, foi preciso recorrer à Lei de Acesso à Informação para conseguir documentos. No Chile, muitos papéis referentes aos militares também sumiram, mas na redemocratização eles tiveram a sábia decisão de retirar o sigilo de todos os documentos”, lembra o autor. Já nos Estados Unidos, muitas informações foram conseguidas a partir de pedidos de liberação de documentos até então sigilosos.

Simon entrevistou diversos exilados brasileiros e também figuras então ligadas ao governo e ao Exército nacionais, como um ex-capitão da Força Aérea Brasileira, que pediu para não ter o nome revelado e é identificado no livro como Capitão Pinto. Seu depoimento é um dos elementos a contribuir com a narrativa a respeito de episódios marcantes, como a presença brasileira no Estádio Nacional de Santiago, que se transformou em enorme prisão e centro de repressão e tortura aos inimigos da ditadura chilena.

“A presença de agentes brasileiros no Estádio Nacional era comentada desde os anos 1970 na imprensa americana e europeia, ainda que não tenha aparecido nos jornais brasileiros por conta da censura”, explica Simon. “Mas o que tínhamos sobre isso eram depoimentos e não documentos que comprovassem o que aconteceu naquela época.” Ele, no entanto, descobriu, nos planos de voo do Correio Aéreo Nacional, que os militares usavam para mandar comunicações diplomáticas, um pedido expresso de desembarque em Santiago de um avião sem a lista de passageiros. E a chegada do voo coincide com um telegrama do cônsul brasileiro dizendo ter encontrado cinco oficiais brasileiros no Estádio Nacional, versão corroborada pelo Capitão Pinto.

Política de estado. A narrativa de O Brasil Contra a Democracia começa em 1969, um ano antes da eleição de Allende como presidente do Chile. Com isso, mostra que o Brasil já estava atento à situação política chilena e defendia a ideia de que apenas um golpe seria capaz de derrubar o presidente. 

“A ditadura brasileira ajudou a golpear a mais longeva democracia de seu entorno geográfico e, no lugar, instalar um regime cuja sanguinolência e crueldade praticamente não tinham precedentes na América do Sul moderna. Essa intervenção não foi fruto de ações episódicas e autônomas de alguns zelotes dentro da ditadura, mas uma política de Estado, a qual percorria uma cadeia de comando desse a alta burocracia de Brasília até as raízes do sistema”, escreve Simon.

Ele reproduz no livro, por exemplo, um documento do governo americano em que é narrada uma conversa entre os presidentes Richard Nixon e Garrastazu Médici, na qual o brasileiro fala que havia um intercâmbio com oficiais chilenos para a derrubada de Allende. Simon mostra também como Câmara Canto, embaixador brasileiro em Santiago, mantinha contato próximo com as Forças Armadas e diversos setores da sociedade chilena simpáticos ao golpe consumado no dia 11 de setembro de 1973.

Para Simon, havia dois interesses em especial do Brasil na queda do governo. O primeiro era geopolítico: o País temia que a chegada dos socialistas ao poder significasse ameaça direta à segurança nacional. O segundo tinha a ver com o cenário interno: o País temia que a ideia de união da esquerda que levou Allende ao poder pudesse se espalhar pelo continente e que exilados tidos como radicais fizessem do Chile palco do planejamento de uma investida contra o governo militar brasileiro.

Segundo o autor, os documentos jogam por terra a noção de que o Brasil operava não por interesse próprio, mas por determinação americana, reforçada em parte pela própria esquerda. Ele lembra, por exemplo, a declaração do escritor Gabriel García Márquez, segundo quem o Brasil se tornara o “braço direito e armado do neocolonialismo dos Estados Unidos”. “O regime militar brasileiro tinhas suas motivações para intervir no Chile e dispensava ordens de Washington para fazê-lo”, escreve Simon, para quem não houve ação articulada e conjunta entre os países. 

“A política anti-Chile dos dois países teve pontos de contato, mas não se entrelaçou, nem mesmo quando Pinochet deu o bote na democracia. Diferentemente do golpe contra Jango em 1964, no Chile de 1973 Washington pôde postergar o reconhecimento oficial da junta militar e deixar os brasileiros tomarem a iniciativa regional”, conclui. 

https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,livro-do-jornalista-roberto-simon-revela-atuacao-brasileira-no-regime-pinochet,70003635058


quarta-feira, 20 de novembro de 2019

O problema do Chile não é excesso de neoliberalismo; é carência de racionalidade

Lembro-me, pateticamente agora, de meu texto sobre os "Sete Pecados da Esquerda" – disponível numa das chamadas da coluna de direita deste mesmo blog – para refletir sobre os problemas atuais do Chile. Não se trata de desigualdades sociais, e sim protesto das esquerdas derrotadas em suas crenças econômicas mais equivocadas.
Grato a meu amigo Stelio Marcos Amarante, pelo envio deste artigo.
Paulo Roberto de Almeida

Lo que queda de Chile
Chilenos protestan como si vivieran en Cuba o Venezuela Lo que queda de Chile DANTE BOBADILLA
23 DE OCTUBRE DEL 2019

Ver a los niños bien de Chile destruyendo su propio país por el alza de pasajes del metro, es lo más patético que nos ha tocado vivir en la región. Lo de Venezuela se comprende y se sabía que iba a suceder, pero lo de Chile ha sido impredecible y es incomprensible. Lo más parecido que yo he visto a las imágenes que la televisión chilena nos muestran es una película de invasión zombie. Ahora más que nunca estoy convencido de que el socialismo es una enfermedad mental. No hay otra explicación para lo que ocurre en Chile.
Las turbas salvajes de la izquierda chilena aprovechan las libertades y garantías que les ofrece la democracia para perpetrar su vandalismo, convencidos de que no les van a disparar, como sucede en Venezuela o Cuba. Para colmo, esa prensa basura que hoy parece ser el patrón de la prensa en todas partes, apoya los desmanes y cuestiona la presencia de las FF.AA. en las calles. Y como siempre, los defensores de los DD.HH. están de lado de los violentistas. Chile es hoy un mundo al revés. Es el país más próspero de la región, pero la gente protesta como si viviera en Cuba o Venezuela. Y lo peor es que esta gente admira esos modelos.
Los mismos charlatanes de siempre han vuelto a llenarse la boca con las típicas frases de cliché con que condenan lo que llaman “neoliberalismo” y “desigualdad”. Esos que ven en cada indigente de Nueva York “el fracaso del capitalismo”, alaban a la dictadura cubana, donde más de la mitad de la población vive debajo del umbral de la pobreza. Quienes dicen que las protestas en Caracas son promovidas por la CIA, hoy alaban el “despertar del pueblo chileno”. Los que callan ante la crisis humanitaria en Venezuela, apoyan las “justas demandas sociales del pueblo chileno”, que vive en la sociedad más opulenta de la región. Nadie explica cómo es que una banda de desadaptados juveniles puede ser capaz de incendiar 76 estaciones del metro de manera coordinada. ¿Quién los organiza y financia? 
Me aburre oír a mequetrefes de medio pelo explicando con aires de gurú que esto se debe a las “profundas desigualdades” y a las “contradicciones del sistema” que obliga a la gente a tener una tarjeta de crédito, a comprarse el celular más caro, a endeudarse más allá de sus posibilidades, etc. Todo es culpa del sistema. Los individuos solo son inocentes víctimas de un “perverso sistema consumista”. Seguramente estarían mejor utilizando una tarjeta de racionamiento provista por el Estado para hacer colas desde la madrugada por dos tarros de leche y un kilo de azúcar al mes, como ocurre en los paraísos socialistas donde prima la igualdad social. Y es que la única manera de lograr la tan cacareada igualdad en una sociedad es empobreciendo a todos y esclavizándolos. No hay otra manera.
Lo ocurrido en Chile es un reto para las ciencias sociales. Las de verdad, no las que venden el humo de la igualdad social. Habría que recurrir a la psicología de masas y hasta a la psiquiatría cultural. Sin duda acá hay una patología cultural que ya debería ser claramente señalada. Yo lo llamaría socialismo, a secas. No hay más explicación que una patología cultural. Que haya malestar en ciertos sectores no es nada raro. ¿En qué sociedad no hay algún tipo de malestar y reclamo? Pero nada de esto explica ni justifica lo ocurrido. De alguna manera se vincula con los fenómenos políticos y sociales que vive toda la región en estos días, como una especie de renacer maldito del socialismo del siglo XXI, al que creíamos derrotado y en retirada.
En Chile pasó algo similar al Perú después de Fujimori. La izquierda gobernó la mayor parte de la era post Pinochet y se fortaleció en todos los frentes. Como en el Perú, los intelectuales usaron la condena a la dictadura para sobresalir como demócratas cabales, adoctrinando a los jóvenes en el odio a esa era y a todo lo que se heredó de Pinochet. Obviamente eso incluye a todo lo que es hoy Chile como país. El segundo gobierno de la señora Bachelet puso el freno a la economía, que dejó de crecer al ritmo que necesita Chile. Para colmo, Piñera en su segunda gestión adoptó un programa progresista, comprometiéndose de lleno con la agenda climática. Las alzas de las que tanto se quejan son producto del giro hacia energías más limpias.
Lo más penoso ha sido ver a un Piñera derrotado, agachando la cabeza ante la turba salvaje y pidiendo perdón por algo que no ha hecho, para luego anunciar una serie de medidas populistas, incluyendo la confiscación del 40% del salario de los que más ganan, una medida que sí justifica salir a protestar con pleno derecho. Piñera ha caído en el error de creer que puede negociar con la turba salvaje y con la izquierda promotora de la violencia. Después del mensaje, los violentos piden más. Quieren la cabeza de Piñera. De hecho es un golpe de Estado perpetrado por las turbas salvajes alentadas por la izquierda. No podían tolerar un modelo de éxito que era un ejemplo de la región para el mundo. Había que destruirlo todo para probar que el liberalismo no funciona. Porque la izquierda no soporta el éxito. Eso es todo.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

International Adam Smith Society - conference January 2018 - Vina del Mar, Chile

Dear Friends and Members of the International Adam Smith Society:

Adam Smith Chile Conference - January 2018, Viña del Mar, Chile
 
A diverse and distinguished group of Smith scholars will gather in Chile. Deirdre McCloskey will be our first keynote speaker with her lecture entitled “Smith the Non-Utopian vs. His Followers since 1848.” Additional plenary lectures will be delivered by Samuel Fleischacker, speaking on "Empathy and Perspective: A Smithian Conception of Humanity," and James Otteson, addressing “Adam Smith's Libertarian Paternalism." Other prominent academics who will attend and present papers include María Alejandra Carrasco, Fonna Forman, Christel Fricke, Leonidas Montes, Maria Pia Paganelli, Sandra Peart, Dennis Rasmussen, Craig Smith, Barry Weingast, and Jeffrey Young.
 
While submissions in English are certainly welcome, Spanish speaking academics are particularly invited to apply given the location of the conference and its special, though non-exclusive, focus on Smith's reception in Latin America; several sessions at least will be conducted in Spanish. Young scholars should also know that the Universidad Adolfo Ibáñez has a limited number of competitive grants available (of $1,000 USD each) to support their attendance.  These are open to all, though some preference will be given to scholars from Latin America.  To be considered for these grants applicants need only note as much in their proposal email, or alternatively can directly contact carolina.aplablazam@uai.cl to apply.
  
More information about the conference, and an abstract submission form, can be found on the Society's website here.  Applicants can also email abstracts directly to the Society's secretary at internationaladamsmithsociety@gmail.com.

Sincere regards,

The IASS/Chile Organizing Committee

terça-feira, 5 de maio de 2015

Chile e Bolivia: acesso ao mar na Corte da Haia - Fantasmas do passado historico nunca passam

Chile e Bolívia discutem em Haia acesso boliviano ao Pacífico
MARIANA CARNEIRO - DE BUENOS AIRES
Folha Online, 6/05/2015
04/05/2015  20h17 - Bolívia e Chile se enfrentam nesta semana no tribunal internacional de Haia, na Holanda, para tratar do pedido boliviano de recuperar parte do território que lhe daria acesso ao mar.
O processo foi iniciado pela Bolívia em fevereiro de 2013. Nesta segunda (4), foi a vez de o Chile apresentar seus argumentos ao tribunal.
O país questiona a legitimidade da discussão, uma vez que um tratado de paz de 1904 garante seu controle sobre a faixa de território que separa a Bolívia do oceano Pacífico.
A Bolívia cedeu ao Chile uma área de 120 mil km² e uma costa litorânea de 400 quilômetros (equivalente ao dobro do litoral de Pernambuco) após a Guerra do Pacífico (1879-1883).
Pelo tratado de paz firmado 25 anos após o conflito, a Bolívia abriu mão do território e recebeu uma indenização. Ficou estabelecida uma série de facilidades de acesso do país aos portos da região.
Os problemas voltaram a crescer a partir dos anos 80, com a privatização dos portos de Arica e Antofagasta, no Chile, que resultou num aumento de custos para a Bolívia importar ou exportar por essa via.
Os bolivianos afirmam, porém, que nunca aceitaram a restrição e já em 1920 pediam a revisão do acordo em fóruns internacionais. A Bolívia exige soberania sobre um pedaço do território.
Nesta segunda (4), a presidente chilena Michelle Bachelet elogiou a defesa chilena na corte internacional, classificando-a como "sólida e consistente". Um dos principais argumentos do Chile é que a revisão do tratado colocaria em risco todos os acordos de paz feitos por diferentes países ao longo da história.
"A decisão do tribunal nesta causa é de interesse não apenas do Chile, mas de toda a comunidade internacional, porque a Bolívia coloca em julgamento a estabilidade das fronteiras e da soberania territorial que se havia acordado em um tratado há 111 anos. Tratado de paz que continua em vigor atualmente e que constitui o fundamento das relações cotidianas entre Chile e Bolívia", argumentou o representante chileno Felipe Bulnes.
REIVINDICAÇÃO
O presidente da Bolívia, Evo Morales, içou a bandeira da reivindicação marítima, causa que também ganhou um hino próprio na Bolívia.
Em discurso em La Paz, ele afirmou que o povo boliviano deve estar unido a favor do pleito internacional.
"Nossa obrigação é demonstrar com solidez, argumentos históricos e jurídicos à comunidade internacional que a Bolívia tem que voltar ao Pacífico com soberania", afirmou.
A Bolívia deverá apresentar seus argumentos na quarta (6). Até sexta-feira (8), os dois países fazem réplica e tréplica. A primeira decisão que deverá dar o tribunal de Haia é declarar se tem competência para julgar a demanda boliviana. Só depois deverá se pronunciar sobre o pedido do país.
Os bolivianos deverão argumentar que não pretendem rever o tratado de paz, mas desejam negociar com o Chile, o que já foi prometido pelo país em outras ocasiões após 1904.
"Escutei [os representantes do Chile dizerem em Haia] que o país respeita o Estado de Direito. Se respeitasse, não estaria questionando a competência de Haia", afirmou Morales.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Pinochet e Friedman, o ditador e o economista - Brian Doherty (Ordem Livre)

O Economista e o Ditador

Asd
O falecido autocrata chileno Augusto Pinochet é responsável por proibir a oposição política, por fazer "desaparecer" inimigos políticos (“desaparecendo” com alguns deles até em Washington, DC), por ordenar milhares de mortes e transformar estádios de futebol em sombrios centros polivalentes de detenção em que prisioneiros políticos eram torturados e mortos.
O falecido economista e jornalista Milton Friedman é responsável por insights inovadores em economia e apoiava a defesa pela liberdade dos indivíduos de escolher como viver suas vidas, livres da interferência do governo.
E ainda, tanto na vida quanto na morte, Pinochet e Friedman tem sido aceitos por muitos como dois lados “negros” de uma direita malvada em que o despotismo, a tortura, e  o livre mercado irrestrito estão intimamente ligados. O colunista do The New York Times Anthony Lewis declarou em 1975 que "a política econômica da junta chilena é baseada nas idéias de Milton Friedman (...) e sua Escola de Chicago (...) se a teoria econômica “pura” de Chicago pode ser realizada no Chile apenas sob o preço da repressão, deveriam os seus autores sentir alguma responsabilidade?" Tais atitudes assombraram Friedman até sua morte e além.
A reação de alguns dos conservadores usuais até a morte de Pinochet não ajudou a desmarcarar esta infeliz associação. Já que Pinochet era um autocrata pró-americano, que honrou um plebliscito e renunciou, parte da direita americana sempre teve um afeto doentio pelo general. A revista National Review realizou um simpósio e um relatório oficial organizado pelo ex-editor John O'Sullivan marcando o falecimento de Pinochet, sem muita indignação pelos crimes do ditador. O'Sullivan disse, explicitamente, em uma troca de acusações morais e bizarras que disputas partidárias costumam gerar, que é claro, Pinochet deveria sofrer por sua vilania – mas somente se Castro e Allende também o fossem.
Mas se os comunistas imorais são hipócritas por apenas se opor à tirania quando se trata de não-comunistas, como a direita é tão ágil em denunciar, no que se tornam os direitistas quando fazem isso, quando só parecem opor-se à tirania quando se trata de comunistas (ou muçulmanos)? Uh, bem ... Ei, olhem lá! Castro! Não o deixe escapar!
Sim, é verdade, Friedman deu conselhos a Pinochet. Mas não diziam respeito a como encontrar o melhor lugar no oceano para despejar os corpos dos inimigos políticos assassinados. Apesar das multidões enfurecidas de estudantes que perseguiram Friedman em todos os lugares de Estocolmo (a sua cerimônia de aceitação do Nobel em 1976 foi marcada pela presença dos estudantes) a Chicago porque eles o consideravam uma espécie de mestre-de-marionetes das sinistras políticas chilenas, a realidade das “ligações” de Friedman com Pinochet é muito menos dramática.
Durante anos, a Universidade de Chicago tinha um programa em parceria com a Universidade Católica do Chile no qual concedia bolsas para os chilenos estudarem em Chicago. Os conselheiros econômicos de Pinochet foram, assim, treinados pela Universidade de Chicago, e conhecidos como “Chicago Boys”. Mas o único contato direto de Friedman com o Chile foi quando ele foi convidado pelo seu colega, também professor da Universidade de Chicago, Arnold Harberger – que estava mais envolvido com o programa chileno – a dar uma semana de palestras e participar de debates públicos no Chile em 1975.
Enquanto esteve lá, Friedman teve um encontro com Pinochet, por menos de uma hora. Pinochet pediu a Friedman que lhe escrevesse uma carta sobre as suas opiniões sobre como a política econômica chilena deveria ser gerida, o que Friedman fez. Ele defendeu cortes rápidos e severos nos gastos do governo e inflação, bem como instituições mais abertas ao comércio internacional e políticas para "estabelecer o alívio de qualquer dificuldade real e angústia entre as classes mais pobres." Ele não escolheu essa como uma oportunidade de censurar Pinochet por qualquer uma de suas políticas repressivas, e muitos dos admiradores de Friedman, inclusive eu, teria se sentido melhor se ele o tivesse feito.
Mas essa foi a extensão de seu envolvimento com o regime chileno – e que se encaixa com um padrão recorrente na carreira de Friedman de aconselhar todos os que o quisessem ouvir. Não era um sinal de aprovação ao autoritarismo militar. Friedman, ao se defender contra as acusações de cumplicidade com, ou aprovação do governo de Pinochet, disse em uma carta em 1975 para o jornal da Universidade de Chicago que ele "nunca ouviu queixas" sobre ter dado ajuda e conforto para governos comunistas com quem tinha se comunicado, e que "eu não aprovo nenhum desses regimes autoritários, nem os regimes comunistas da Rússia e da Iugoslávia, nem os regimes militares do Chile e do Brasil. Mas eu acredito que posso aprender observando-os e que, na medida que a minha análise pessoal de sua situação econômica permita-lhes melhorar o seu desempenho econômico, é provável que isso promova e não retarde um movimento na direção de maior liberalismo e da liberdade. "
Se você acredita que é um dever moral boicotar criminosos no governo, sem restrições, então Friedman fez a coisa errada em falar com Pinochet e escrever-lhe uma carta. Mas se qualquer chileno teve uma vida melhor devido a qualquer reforma de livre mercado que Friedman ou os conselheiros de Pinochet treinados em Chicago ajudaram a tornar realidade, esse é um preço pequeno a pagar por qualquer dano à reputação de Friedman.
Mas será que algum chileno teve de fato uma vida melhor por causa das políticas de livre mercado? É uma questão de fé entre a esquerda que o Chile teve de fato a sua economia destruída pelo “Friedmanismo” galopante. Em um excelente artigo (não disponível online) que apareceu em 1983 na edição de agosto da revista Inquiry, durante a primeira recessão grave do Chile após algumas reformas de mercado iniciais, chamado "Será que Milton Friedman realmente arruinou o Chile?", Jonathan Marshall salientou que tanto Friedman, que foi muito rápido em declarar a vitória definitiva da reforma de livre mercado no Chile, e seus detratores, que achavam que suas políticas haviam levado a nação à ruína, estava esquecendo alguns detalhes importantes: "os próprios protegidos de Friedman abandonaram a economia de viés laissez-faire em certas conjunturas, e foram estes desvios, não um monetarismo doentio, que produziram o sofrimento do Chile."
Marshall salientou a grande insistência “não-Friedmaniana” do Chile no que se refere à fixação do preço do peso chileno em dólares americanos no início dos anos 80, acarretando em uma sobrevalorização do peso que devastou o mercado exportador chileno. Ele também notou que a continuação do sistema capitalista de camaradagem no Chile, no qual aqueles que contavam com influências tinham crédito especial do governo, bem como resgates quando os riscos do livre mercado os prejudicavam. Esses tipos de políticas, bem como um colapso mundial nos preços do cobre, a principal exportação do Chile, foram responsáveis pela recessão do Chile no início dos anos 80, não uma corrida maluca em prol do livre mercado.
De qualquer forma a tendência de reformas de livre mercado – especialmente quando incorporada com intervenções contínuas de vários tipos – não é garantia de resultados imediatos. Muitos das críticas (denúncias) populares da idéia de que as reformas de mercado ajudaram o Chile residem em procurar por pontos fixos do passado, como se eles resolvessem a questão sobre qualquer benefício no longo prazo. Se Friedman foi rápido demais em rotular a economia do Chile como um milagre instantâneo, como fez em uma coluna na revista Newsweek em 1982 (salientando que é um "mito" que "somente um regime autoritário pode implementar com sucesso uma política de livre mercado", já que um livre mercado é "o contrário" do autoritarismo militar), seus adversários foram bem mais rápidos em condená-lo como um desastre.
Alguns delas tiveram pontos fortes, particularmente sobre as taxas de crescimento nos anos 70 e 80 que eram, possivelmente, resultados tanto da recuperação do terreno perdido devido às recessões como produto do novo e sustentável crescimento de longo prazo. Mas as estatísticas da última década e meia mostraram um Chile que, no longo prazo tem superado, do ponto de vista econômico, a maioria da América Latina – inflação mais baixa, maior  crescimento real per capita do PIB, bem menor incidência de pobreza extrema e menos dependência do FMI.
Nenhum sucesso econômico do Chile serve de desculpa ou minimiza os crimes de Pinochet. Mesmo os defensores libertários ferrenhos de Friedman podem questionar a conveniência de sua associação, por mais breve ou tênue, com o ditador. Como o economista austríaco Peter Boettke me disse uma vez, muitos economistas de sua geração – muitos dos quais são libertários na sua essência – têm a noção de trabalhar em até mesmo algo inócuo como finanças públicas de mau gosto – como uma "ajuda para a máfia". Friedman não sentia tal repugnância visceral pelo governo ou por quem governa. Ele era realista sobre a política, e tentou lidar com o mundo como ele era – lubrificando com seu radicalismo político as engrenagens do poder do jeito que era possível.
Friedman estava pronto e disposto a dizer às pessoas responsáveis por todas as políticas erradas do mundo o que elas precisavam fazer para acertar as coisas, o que significava que ele tinha que dialogar com eles, fazendo ataques abertos a seus crimes imprudentes. Ele tentou mover o mundo em uma direção mais livre do ponto em que a realidade se apresentou.
"Não tenho nada de bom a dizer sobre o regime político que Pinochet impôs", disse Friedman em 1991. "Foi um terrível regime político. O verdadeiro milagre do Chile não é o quão bem ele foi economicamente, o verdadeiro milagre do Chile é que uma junta militar estava disposta a ir contra seus princípios e apoiar um regime de livre mercado projetado por seguidores dos princípios de um mercado livre... No Chile, o impulso para a liberdade política que foi gerado pela liberdade econômica e o conseqüente sucesso econômico ao final resultou em um referendo que introduziu a democracia política."
Poderia ter sido mais gratificante moralmente não ter nenhuma relação com Pinochet, simplesmente condená-lo de longe. Mas optando por deixar seus conselhos econômico  acima de revolução política, Friedman quase certamente ajudou o Chile a longo prazo – mas é importante lembrar que os "Chicago boys" foram mais responsáveis do que o próprio Friedman, e que eles não estavam seguindo suas prescrições implacavelmente ou sob a sua instrução direta.
Indubitavelmente, a decisão de Friedman de interagir com os funcionários de governos repressivos cria tensões desconfortáveis aos seus admiradores libertários; eu poderia, e na maioria das vezes, preferiria que ele não o tivesse feito. Mas dado o que provavelmente significou para a riqueza econômica e a liberdade no longo prazo para o povo do Chile, esta é uma reação egoísta. As políticas econômicas de Pinochet não amenizaram seus crimes, apesar daquilo que seus admiradores de direita dizem. Mas Friedman, como conselheiro econômico para todos os que o ouviram, não cometeu os crimes de ninguém, nem admirou nenhum criminoso.
* Publicado originalmente em 22/11/2012.
Brian Doherty é editor sênior da revista Reason e autor de diversos livros, entre eles, Radicals for Capitalism: A Freewheeling History of the Modern American Libertarian Movement.