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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Brasil, colonia de Portugal: fabrico do sabao proibido - Guardamoria, Paulo Werneck

Guardamoria, 26 Aug 2018 02:11 PM PDT
Paulo Werneck


Tommaso Garzoni (1641): Caldeira de Sabão
Fonte: Wiki

Continuando os comentários sobre as normas que teriam sido publicadas pelo governo do Reino de Portugal para inibir o desenvolvimento do Estado do Brasil, ou, como querem, da colônia atlântica, abordaremos a questão da fabricação do sabão. Registrou Ferreira Lima que não era permitido o fabrico de sabão no Brasil ("o alvará de 5 de fevereiro de 1767 impediu a fabricação de sabão;"). A resposta de Brito ao texto que não nomeou, mas sobre esse exato tema, foi:
"AVISO DE 14 DE SETEMBRO DE 1725, ordenando não se introduzir na Capitania do Rio de Janeiro o sabão, o povo acabou fabricando-o, ver, adiante, a ordem proibindo êsse fabrico"

O primeiro contrato de sabão foi feito cerca de 1625, um século antes da prohibição. Por êle, o rei de Portugal concedeu a faculdade de ter fábricas na Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro (Melo Morais. "Brasil Histórico" - Vol. 2 - pg. 246). Nos anais da Biblioteca Nacional e nos documentos Históricos - Vol. 1 - p.p. 135-137 - há documentos desmentindo o aviso acima. 
Efetivamente, em Documentos Históricos, nas páginas 135 a 137 pode-se ler: 
Dom João por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves daquem e dalém-mar em África senhor de Guiné etc. Faço saber a vós Provedor da fazenda da Capitania de São Paulo, que por parte de Francisco Morato, se me representou, que elle havia arrematado no conselho de minha fazenda o contracto do sabão preto destas cidades e suas conquistas por tempo de quatro annos, que hão de ter principio do primeiro de Janeiro do anno que vem de mil sete centos e vinte e oito e hão de acabar no fim de Dezembro de mil sete centos e trinta e um e que entre as condições delle era uma que lhe seriam passadas todas as Provisões, e mandados que lhe fossem necessários, para cumprimento do mesmo contracto e boa arrecadação delle. Pedindo-me lhe mandasse passar ordem para que em virtude da dita condição, e das mais o admittaes por si seus feitores, e administradores a requerer tudo o que fizer a bem do dito contracto, e pol-o em boa arrecadação, como fazenda real: e que outrosim possa dar os varejos que lhe parecerem necessários, em todos os Estados que houver de sabão administrado pelo contractador presente para que no primeiro de Janeiro do dito anno possa tomar conta das arrobas que achar nelles para haver de se lhes pagar pelo custo que constar fizeram ao contractador antecedente e não pelos avanços que lucra até o ultimo de Dezembro do presente anno; e que também os ditos seus administradores de primeiro de Janeiro em diante possam pôr correntes as saboarias deste novo contracto pondo-as e administrando-as conforme o estylo, e se praticou nas administrações passadas: e sendo visto seu requerimento. Me pareceu ordenar-vos guardeis e façaes guardar as condições do contracto do supplicante para que se pratique com elle o mesmo que se praticou com o contractador actual, declarando-se-vos que se ponha todo o cuidado na guarda da condição dezoito que trata do sabão da Ilha de São Thomé. El-Rei nosso senhor o mandou por Antonio Roiz da Costa e o Doutor Joseph de Carvalho Abreu conselheiros do seu Conselho Ultramarino e se passou por duas vias. Dionysio Cardoso Pereira a fez em Lisbôa occidental em nove de Agosto de mil sete centos e vinte e sete.

O secretario André Lopes de Lavre a fez escrever.
Antônio Roiz da Costa
Joseph de Carvalho Abreu

Por despacho do Conselho Ultramarino de 9 de Agosto de 1727 
A questão do fabrico não era novidade no Reino. Havia desgosto quanto ao estanco da fabrição do produto, tendo sido objeto de reivindicação ao rei Dom João II, durante as Cortes de Évora de 1481-1482, conforme registrado pelo Visconde de Santarém:
Capitollo que falla no sabam e saboarias. 

Senhor parece a vosos povoos stranho que de seu azeite e sinza nom posa cada hũu fazer sabam pera despesa de sua casa e que per prema ho vaao comprar ao remdeiro que arremdada teem a saboaria no que vosso povoo recebe muito agravo e perda sem ateequi aver corregimento Pedem vos por mercee que estas saboarias vosa alteza lhes dexe e mamdees que cada hũu faça livrememte sabam sem por ello emcorrer em pena e quando vosa alteza as nõ tirar ao menos mandees que quem o sabã quiser fazer pera sua despesa que o possa fazer e nom o vemda a allgũa pesoa e quẽ o comprar quiser vaa aaquelle ordenado que o tem per licença vossa e em esto senhor farees muita mercee a vosos povoos e já Senhor per elRei eduarte voso avoo em hũuas cortes que fez em Samtarem determinou que per morte do Ifante do amrrique ficasem as saboarias ao povoo e as mais hi nom ouvesse o que muito poderoso Senhor vosa alteza deve comfirmar e aprovar por fazerdes mercee e justiça a vosos povoos. 

Reposta. 

Respomde elRey que por isto tocar ao ducque seu primo lhe parece que he rezam e ha por bem que a Ifamte sua madre seia ouvida como procurador que he do dicto Duque e manda que pase carta pera ella e mamda que os procuradores emllegam amtre si hũu ou dous que em speciall tenham carrego de o sobre ello requerer pera despois de viir o recado da dicta ifante elle determinar o que lhe parecer seer rezam e direito. 
A reclamação era simples. Nada foi colocado contra o estanco em si, mas contra a proibição de se produzir sabão para próprio uso, sem venda para terceiros. 

Qual a resposta não se sabe pelo registro das Cortes, uma vez que o rei postergou a resposta. Todavia, na Wikipedia, verbete sabão, informa que "Desde o século XV, pelo menos, que o povo se manifesta contra este monopólio que até impedia o fabrico caseiro para uso doméstico." Mas, só para não variar, não informa de onde obteve tal informação, correta por sinal, pois as Cortes de Évora foram realizadas no século XV...

Muito mais tarde, em 1641, há o registro de um contrato de dois anos, pelo qual o contratador tem que pagar uma dada renda à Fazenda Real, mais por cento para a Obra Pia, e outros acréscimos.

Quanto ao preço do sabão, ficava à discrição do arrendador. Quanto a área coberta pelo estanco, depreende-se que Portugal e as partes do Brasil.
EU EL-REI faço saber aos que este Alvará virem que no Conselho de minha Fazenda se contratou a renda do sabão preto deste Reino e partes ultramarinas delle, a Martim Moreira, por tempo de dous annos, que começaram a 27 dias do mez de Setembro do anuno de 1641, em Preço e quantia de dous contos e dozentos mil réis em cada um delles, alem do um por cento da Obra Pia, e dous por milheiro, e ordinarias que se costumam pagar na dita renda: E conforme ao contracto della, fez traspasso da dita renda em Sebastião Ribeiro de Teives, que outro sim traspassou logo o que se havia de gastar nas partes do Brazil em Ignacio de Azevedo, a quem para o meneio e despesa do dito sabão é necessario pôr Feitores e Recebedores e mais Officiaes que forem necessarios nas ditas partes:

Pelo que mando ao Governador dellas, e ao Provedor de minha Fazenda, e Ouvidor Geral, e mais Justiças, dos logares do dito Estado do Brazil, que a todos os Feitores, Recebedores, e mais Officiaes, que o dito Ignacio de Azevedo provêr para beneficio e venda do dito Sabão, lhe cumram e façam cumprir os mandados que para isso passar, ou lhe passem outros, conforme as condições do dito contracto, e lhes dêem e façam dar toda ajuda e favor que cumprir e fôr necessario para a venda e beneficio do dito sabão; e que nenhuma Camara dos ditos Logares, nem Oficiaes della, se entremettam no preço do dito sabão, nem em posturas delle, nem façam nenhuma condemnação a quem o vender, sob pena de eu proceder como houver por bem — o que todos cumprirão, por convir a meu serviço e boa administração de minha Fazenda — e este se passou por duas vias, de que esta é a segunda. que se cumprirá, com certidão do Escrivão do novo direito de como se pagou delle o que se dever: e sem a dita certidão não terà effeito. 

Balthasar Ferreira o fez, em Lisboa, a 15 de Maio de 1643. Fernão Gomes da Gama o fez escrever. = REI.

Liv. XVI da Chancellaria fol. 66. 
Isto visto, fica claro que o sabão era uma fonte de renda para o Reino, por meio de contratos de estanco, pelo qual o contratante pagava uma renda para o Tesouro e ficava com o direito de fabricar e vender o sabão com exclusividade.

Se o contratante resolvesse produzir sua mercadoria na península, por óbvio ficaria proibida a produção no Brasil, e vice versa. 

Nada a ver com uma decisão da Coroa Portuguesa contra o desenvolvimento das "partes do Brasil"... 

Fontes:

BRITO, Luiz Tenório de. Prometi. Aqui Estou. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Volume LIX, paginas 59 a 70. 

SANTARÉM, 2º Visconde de (1791-1856). Memórias e Alguns Documentos para a História e Teoria das Côrtes Geraes. Parte II. Documentos - Alguns Documentos para servirem de provas à parte 2ª das Memorias para a Historia, e Theoria das Cortes Geraes, que em Portugal se celebrarão pelos tres Estados do Reino. Páginas 174 e 175. Lisboa: Impressão Régia, 1828. Disponível em www.governodosoutros.ics.ul.pt

LIMA, Heitor Ferreira (1905-1989). História do pensamento econômico no Brasil, página 71. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. 

SILVA, José Justino de Andrade e. Collecção Chronologica da Legislação Portugueza - 1640-1647. 2ª Série. Páginas 437 e438. Lisboa: Imprensa de J. J. A. Silva. Disponível em www.governodosoutros.ics.ul.pt
WIKIPEDIA. Sabão. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Sabão. Acesso em 26.08.2018.

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

O Estado interventor no Brasil: monopolio e abuso tributario no periodo colonial - Paulo Werneck

Como sempre, Paulo Werneck, em seu Guardamoria, nos fornece sempre exemplos edificantes de como os monopólios coloniais eram um mecanismo usual de extorsão tributária da Coroa contra os habitantes deste país tropical.
Mudou alguma coisa atualmente?
Paulo Roberto de Almeida

Guardamoria, 23 Aug 2018 07:26 PM PDT
Paulo Werneck


Mulher com arenque salgado para vender
Cris de Paris, ca 1500. Paris, Biblioteque Nationale
Fonte: Wiki  

Em Fake Olds foi apresentado um trecho de um livro com inverdades históricas, a saber normas inexistentes ou fora de contexto, mostrando prejuízos ao desenvolvimento do Estado do Brazil, como o nosso país foi denominado durante a maior parte do tempo em que esteve unido ao Reino de Portugal.

Procurando o texto integral das citadas normas, algumas não foram localizadas na minha vasta biblioteca virtual de livros antigos de legislação, e a busca na Internet acabou por localizar um artigo de Luiz Tenório de Brito.

Dada a relevância do tema, mais algumas diatribes serão contestadas agora, utilizando-se parcialmente o mesmo método pelo qual as notas históricas inverídicas são disseminadas: citação da citação da citação, de ler ou de ouvir dizer, sem verificação das fontes.

Todavia a busca pelos diplomas legais originais continuará e mais cedo ou mais tarde serão publicados neste local, para que a verdade prevaleça.

Em respeito aos que nos precederam e que divulgaram mentiras de boa fé, ressalto que o acesso às fontes originais era dispendioso tanto em tempo como em dinheiro, com a necessidade de busca em arquivos governamentais, onde o mais confiável era, e continua sendo, a Torre do Tombo, em Lisboa.

Mesmo as fontes que consultamos não são documentos originais, mas compilações de legislação feitas por juristas e pesquisadores para auxílio ao trabalho de juízes e advogados, algumas dessas compilações sancionadas pelos governos de então. Mas, evidentemente, como errar é humano, essas compilações podem ter divergências em relação aos diplomas originais.

Vejamos a questão do sal. Ferreira Lima afirma, com base em Pereira dos Reis [que não consultamos] que foi proibida a fabricação do sal ("em 1665, foi proibido produzir sal no Brasil").

Brito rebate essa afirmação, tratada em outra publicação (que ele não nomeia), publicação essa que faz referência a outra norma que teria determinado a mesma proibição:
"LEI DE 20 DE FEVEREIRO DE 1690 proibindo o uso de outro sal que não fôsse o vindo de Portugal e que aqui chegava por preço exorbitante, possuíndo o Brasil, como possuia, excelentes e riquissimas salinas que já eram conhecidas na época".

Sôbre o assunto, leiamos a historiadora Miriam Elis, professôra da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, na sua obra monumental - O Monopólio do Sal no Estado do Brasil, pg. 46 - "Apoiado na prerrogativa que o Rei de Castela implantou o monopólio do sal em Portugal, e por orientação do seu valido, o conde duque de Olivares, esta imposição violenta da Coroa dos Felipes, foi uma das consequências da política de Castela, ou melhor, do Domínio Espanhol, tão desastroso e funesto ao comércio exterior e ao poderio lusitano". Era bom o sal do Brasil? "O sal da terra (do Brasil) havia se mostrado muitas vêzes nocivo às salgas e parece que nem todo o sal nativo era aplicável ao salgamento e ao preparo das carnes" (Miriam Elis - obra citada, página 31). 
Note-se que a questão do sal é recorrente na tributação do Ancien Régime, dada a absoluta necessidade de seu uso, portanto tornando-se uma ferramenta adequada, pelo menos aos olhos dos reis e seus ministros, para reforçar a arrecadação.

Esse é um tema importante, por exemplo, na tributação do Reino de França, sob a forma da gabelle du sel. Colbert tentou reduzir um pouco esse imposto indireto. Os interessados podem consultar as muitas referências a esse tributo em Histoire de l’Impôt en France. E os franceses não eram colonos do rei de França...

Quanto a Portugal, Freire tece diversas considerações acerca das salinas propriamente ditas:
ALGUMAS DISPOSIÇÕES SOBRE AS SALINAS

§ XIII - Seja-nos lícito juntar aqui algumas observações sobre as salinas. Os seus antigos direitos pertencem inteiramente ao Rei, segundo a Ordenação, liv. 2, tit. 26, § 15, que se intitula Dos direitos reais. Em Espanha há uma Ordenação semelhante na Recopilación, liv. VI, tit. 13, lei 2; e em França também, como afirma Cujácio nas Observationes, liv. III, cap. 31, assim como entre os Romanos na lei 17, § I, do tit. De verborum significatione, do Digesto, na lei 59, § I, do tit. De heredibus instituendis, do Digesto, na lei II do tit. De vectigalibus et commissis, do Código, e na lei 4, § 7, do tit. De censibus, do Digesto. As nossas leis também proíbem os estrangeiros de trabalhar nas marinhas de sal, Extravagante de 27 de Maio de 1696, Colecção I à Ord. liv. 2, tit. 26, N. II; igualmente estão os naturais do Reino proibidos de trabalhar nas marinhas de sal das outras nações, Extravagante de 15 de Fevereiro de 1695, na mesma Colecção. N. 10. As salinas situadas em local particular não pertencem ao Rei, mas ao respectivo senhor; devem-se, porém, cobrar os direitos do sal pela maneira prescrita no Regimento de 13 de Julho de 1638, apud Menescal, tomo I, pág. 211.

As áreas salineiras, tais como os campos incultos e desertos, eram antigamente dados de sesmaria, sem qualquer ónus, segundo a Ord. liv. 4, tit. 43, § 13; depois, começaram a ser dados mediante uma módica pensão, como se vê de documentos dos anos de 1435, 1460 e 1490, apud Cabedo. p. 2, Decisio 53. A novíssima lei de 17 de Julho de 1769 sobre as salinas dos Algarves seguiu de mui perto essas razões de humanidade e interesse público. 
Não encontramos a proibição de 1665, nem tampouco a lei de 1690, mas existem muitos documentos tratando da tributação do sal, como o Regimento dos Direitos do Sal da Alfândega de Lisboa, de 13 de julho de 1638, registrado na Collecção Chronológica da Legislação Portugueza.

Dispensável informar que as duas proibições, de 1665 e 1690, não foram localizadas.

Fontes:

BRITO, Luiz Tenório de. Prometi. Aqui Estou. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Volume LIX, paginas 59 a 70.

CLAMAGERAN, J. J., Histoire de l’Impôt en France. 3 volumes. Paris: Librairie de Guillaumin, 1867, 1868 e 1876. Disponíveis em epub, pdf, e word em www.mercadores.com.br, na aba História.

FREIRE, Pascoal José de Melo. Instituições de Direito Civil Português, Volume I. Versão Portuguesa de Miguel Pinto de Meneses. Lisboa: Boletim do Ministério da Justiça, 1966. Disponível em http://www.governodosoutros.ics.ul.pt.

LIMA, Heitor Ferreira (1905-1989). História do pensamento econômico no Brasil, página 71. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.

SILVA, José Justino de Andrade e, Collecção Chronológica da Legislação Portugueza, 1634 - 1640. Lisboa: Imprensa de J. J. A. Silva, 1855.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Querem saber de onde vem nosso "fascismo" estatal? De Portugal, ora pois! - Paulo Werneck

Meu amigo Paulo Werneck, douto pesquisador de coisas antigas, velhíssimas, antiquíssimas, nos traz este belo exemplo de uma regulação perfeitamente fascista, no sentido moderno da palavra, que é o fato de o Estado, ou o governo, dizer o que você pode, ou sobretudo não pode, fazer, com os seus próprios ativos financeiros, e até o que você pode vestir, em qualquer ocasião.
Alguns podem achar estranho eu chamar de fascismo a esta regulação do século 17.
Ora, pois: fascismo, reduzido à sua mais simples expressão, é quando o Estado diz o que você pode, ou não pode fazer, ou quando lhe obriga a fazer certas coisas, mesmo contra a sua vontade.
Não precisa de camisas cinzentas, botas negras, milícias armadas controlando os cidadãos: basta o Estado determinar como você deve regular a sua própria vida...
Paulo Roberto de Almeida

Uma Reserva de Mercado "Recatada"
Paulo Werneck
Guardamoria, 18 Jan 2017 12:45 PM PST


Feliciano de Almeida: Dom Luís de Meneses
Fonte: Wikipedia

Filipe III de Portugal (IV, na Espanha) enfrentava problemas em todas as frentes, os Holandeses estavam senhores de Pernambuco e outras partes do reino português, quando em 1º de dezembro de 1640 houve uma revolta em Portugal que culminou com a coroação de Dom João IV.

Depois da Restauração os holandeses foram expulsos do Brasil e Angola e a situação aparentemente retornou ao status-quo ante. Aparentemente apenas, pois na prática a situação econômica estava bastante distinta.

Os preços do açúcar, por exemplo, foram caindo progressivamente, com a concorrência do Caribe. Simonsen estabelece em gramas de ouro o preço da arroba do açúcar em Londres.

período    g de ouro por arroba de açúcar
1643-1652    17,69
1653-1662    11,43
1663-1672    10,98
1673-1682    9,15
1683-1692    8,69

Recebendo menos pelas mercadorias vendidas, é óbvio que ficava mais difícil pagar pelas mercadorias importadas, e, a continuar com o mesmo padrão de consumo representava uma sangria.

Dom Luís de Meneses, 3.° Conde da Ericeira (1632-1690) foi nomeado Vedor da Fazenda em 1675, por Dom Pedro II, então regente. Com idéias mercantilistas, tentou desenvolver a indústria textil em Portugal, criando uma reserva de mercado para a produção nacional e proibindo o uso daquilo que Portugal não podia produzir, tudo isso regulado pela Pragmática de 1677, verbis:
DOM PEDRO, por Graça de Deus, Principe de Portugal e dos Algarves, etc. Como Regente e Governador dos ditos Reinos e Senhorios. Faço saber aos que esta minha Lei virem, que, sendo-me representado e instantemente pedido pelos Estados do Reino, juntos nas Côrtes, que ultimamente mandei convocar, quizesse atalhar os graves damnos que se occasionavam nestes Reinos e suas Conquistas, assim em commum, como em particular, com a relaxação de trajes, excesso no custo das galas, o luxo com que se adornavam as casas, se fabricavam os coches, se vestiam os lacaios, o crescido numero delles, a dispendiosa vaidade dos funeraes, fórma dos lutos e abuso dos vestidos, em que meus Vassallos com extraordinarias profusões, ostentações vangloriosas, e immoderadas despezas empenhavam os Patrimonios, arruinavam os successores, e se vinham a empobrecer e envilecer muitas vezes por varias modos as familias mais nobres e facultosas, com grande desserviço de Deus, damno da honestidade, dos costumes, do bem publico do Reino e da conservação delle: E considerando eu a obrigação, que tenho de acudir com o remedio a estes males, não só com o exemplo de minha pessoa e Casa Real, mas tambem procurar por todos os meios possiveis, extinguir os abusos, evitar ruinas, e moderar os superfluamente luzidos e vãos adornos das pessoas, casas e familias, com a introducção da gravidade dos trajes e explendor honestamente apparatoso, que conduzem á restricção dos gastos e á melhora dos costumes, ordenei com os do meu Conselho fazer a Pragmatica e Lei pela maneira seguinte:

I. Primeiramente ordeno e mando que nenhuma pessoa de qualquer condição, gráo, qualidade, titulo, dignidade, preeminencia, por maior que seja, assim homens, como mulheres, nestes Reinos e Senhorios de Portugal e suas Conquistas até o Cabo da Boa Esperança, possa usar nos adornos de suas pessoas, filhos e criados, casa, serviço, e uso, que de novo fizer, de seda, rendas, fitas, bordados, ou guarnições que tenham ouro, ou prata fina, ou falsa; e só lhes permitto poderem trazer nos vestidos botões e casas de fio de ouro, ou de prata; ou de prata, ou de ouro de martello, como não sejam de filagrana, sem algum outro qualquer genero de guarnição, ainda que seja de fitas: e só permitto que as mulheres possam trater guarnição de seis dedos de largura, não sendo das generos acima probibidos, e poderão ser de rendas feitas no Reino, e da mesma largura.

II. Ordeno e mando que se não possa usar de nenhuma sorte de dourados, ou prateados nas cousas, que de novo se fizerem: porque sómente os permitto nas Igrejas, Ermidas, Oratorios, e cousas tocantes ao Culto Divino, e de nenhuma maneira em cousa alguma profana; porém não se comprehendem nesta prohibição as sedas, fitas, bordados guarnições de prata, ou ouro fino, ou falso, prateados ou dourados, que vierem da India, obrado tudo e feito naquelle Estado, e sendo manufacturas da Asia, porque de todas estas cousas se poderá usar livremente.

III. Nenhuma pessoa de qualquer condição, estado e preeminencia, por maior que seja, se poderá vestir de comprido, excepto os Clerigos de Ordens Sacras, ou Beneficiados, que notoriamente sejam conhecidos por taes; os Desembargadores e os Estudantes matriculados na Universidade de Coimbra e Evora; com declaração, que nenhum trará cousa alguma na roupeta, ou capa, que de todo prohibo.

IV. Nenhuma pessoa se poderá vestir de panno, que não seja fabricado neste Reino como tambem se não poderá usar de voltas de renda, cintos, talins, boldriés, e chapéos, que não sejam feitos nele.

V. Ordeno e mando que nas casas dos defunctos de qualquer condição, qualidade, titulo, estado, dignidade e preeminencia, por maior que seja; e nas Igrejas, aonde se enterrarem ou se lhes fizerem Officios, se use de nenhum adorno funeral mais, que uma tarima de um degráo coberto de negro, sem passamane, galão, ou renda de ouro, ou prata fina, ou falsa, sobre a qual se ponha o corpo, ou caixão com quatro tocheiras nos cantos, e dous castiçaes á Cruz, sem mais outro algum genero de armação, ou ornato funebre.

VI. Nenhuma pessoa se poderá vestir de luto comprido, e só usará do curto; porem poder-se-ha trazer capa comprida de panno, ou baeta com golilha, ou balona chãa, e de nenhuma fórma se poderá usar de capuz, ou capa de capello; nem de coches, carroças, calejas, estufas, liteiras ou seges, interior ou exteriormente cobertos de algum genero de luto.

VII. Os coches, carroças, calejas, estufas, liteiras e seges, que de novo se fizerem, não poderão ser exteriormente cobertas de algum genero de seda, nem com outra alguma guarnição, de qualquer genero que seja, mais que de uma franja unica.

VIII. Nenhuma pessoa de qualquer titulo ou preeminencia, por maior que seja, dentro nesta Cidade, ou em outro qualquer logar, aonde assistir minha pessoa e Casa Real, poderá trazer nos coches, carroças, calejas ou estufas, mais que quatro mulas, ou cavallos; e só permitto que sahindo della, se possam pôr seis no Convento de Santa Clara, no de Santa Martha, e Igreja dos Anjos, e nestas mesmas partes se tirarão, quando entrarem nella.

IX. Nenhuma pessoa de qualquer titulo e preeminencia, por maior que seja, poderá trazer, ou acompanhar-se, indo a cavallo, mais que de dous lacaios, ou mochilas livres, ou escravos; e do mesmo numero, indo em sege, alem do mochila, que a governar; e indo em coche, liteira, carroça, estufa, ou caleja, se acompanhará do mesmo numero de lacaios, ou mochilas, alem dos dous liteireiros, ou dos cocheiros; indo porem juntos, marido e mulher, poderão acompanhar-se de quatro lacaios, ou mochilas,

X. As librés que de novo se fizerem, dos cocheiros, liteireiros, lacaios e mochilas, não derão ser nenhum outro genero, que não seja de panno feito no Reino, nem forradas de cousa alguma, que seja de lãa, sem alguma guarnição, de qualquer genero que seja: as meias não serão de seda; os botões, sim, mas não de ouro, ou prata fina, ou falsa; e havendo de pôr-se fitas aos vestidos, será sómente nos calções passados com aquellas, que nelles se costumam; os vestidos de luto serão curtos, sem capas, on roupetas compridas.

XI. E porque de se dissimular neste Reino, por culpa dos Officiaes de Justiça o uso dos jogos de parar, ou em dados, ou em cartas, ou por outro qualquer modo, contra as prohibições de Direito, Ordenações e Pragmaticas, se tem seguido os grandes inconvenientes que a experiencia mostra, com grande damno de meus Vassalos, inquietação e ruina de suas casas: ordeno e mando, em execução das ditas Leis, que nenhuma pessoa de qualquer titulo e preeminencia, por maior que seja use de jogos de parar, nem dê casa para esse effeito, com as penas comminadas no fim desta Pragmatica, e das mais, que pelas Leis estão estabelecidas.

XII. Para o consumo das cousas prohibidas nesta Pragmatica, hei por bem conceder neste Reino um anno de tempo, contado do dia da publicação della na Chancellaria, com denegação de mais tempo; e nas Conquistas permitto o tempo de tres annos, contados do dia da mesma publicação, aonde se remeterá logo sem dilação: e declaro que se ha de começar a praticar no que toca aos dourados, prateados, numero dos lacaios, mulas nos coches, carroças, estufas e calejas, nos vestidos curtos, lutos e funeraes, passado um mez do dia da sua publicação; e que acabado este termo, o anno de consumo neste Reino, e os tres nas Conquistas, se praticará inteiramente tudo o que nella se contém.

XIII. E para melhor execução e observancia desta Lei, ordeno e mando, que todas as pessoas, que usarem de alguma das cousas acima prohibidas, sendo nobre, ou de maior qualidade, pagará pela primeira vez trinta mil réis; e pela segunda e mais vezes a mesma pena em dobro: e não sendo pessoa nobre, pagará pela primeira vez vinte mil réis; e pela segunda a pena em dobro, e será preso, e se applicará a condemnação, ametade para o accusador, e a outre ametade para a despeza dos Presidios do Reino; e além das sobreditas penas, perderão os mesmos vestidos, e mais cousas, que forem feitas contra esta Lei, cujo valor se applicará para o accusador e Captivos: e os Alfaiates, Bordadores, Douradores, Armadores e outros a quem toca fazer e obrar as ditas cousas acima probibidas, constando as fazem, ou mandam fazer por outrem, passado o tempo acima apontado, incorrerão nas mesmas penas referidas.

XIV. E porque na Casa Real, e nesta Corte se observe inviolavelmente esta Lei, ordeno e mando ao meu Porteiro-mór, ou a quem cargo servir, que por nenhum caso admittam a fallar-me em audiencia geral, ou particular, nem dentro no Paço, a pessoa alguma de qualquer qualidade, estado, ou condição que seja, que traga em sua pessoa, ou nas de seus filhos e familiares, cousa alguma das acima prohibidas: e na mesma fórma os Secretarios de Estado e Mercês não admittam requerimento, petição, ou papel de pessoa, que use de alguma das cousas prohibidas, antes logo me darão conta, para se mandar proceder, como for razão. E mando ao Regedor da Casa da Supplicação, e ao Governador da Relação, e Casa do Porto, e em especial aos Corregedores do Crime, assim de minha Côrte, como das ditas Casas, e aos Corregedores, Juizes do Crime desta Cidade, e a todos os mais Corregedores, Ouvidores, Juizes, Justiças, Meirinhos e Alcaides de meus Reinos e Senhorios, que tenham muito particular cuidado e vigilancia na execução desta Lei: e nas residencias, que se lhes tomarem aos que a dão, se perguntará, se fizeram inteiramente cumprir: e achando-os culpados em alguma maneira, não serão admittidos a meu serviço, até minha Mercê: e disto se accrescentará um Capitulo ao Regimento, por onde se tomam as residencias; e os Meirinhos e Alcaides, que forem descuidados e negligentes, assim nesta Côrte, como fóra della, em coutar e accusar as ditas cousas defesas, incorreráo pela primeira vez em suspensão de seus Officiaes por dous annos, e pela segunda vez em perdimento delles sem remissão; e sendo Serventuarios, serão privados das serventias, sem poderem entrar mais nellas, alem da pena de cem cruzados, para o que serão obrigados os Corregedores, Ouvidores, e Juizes de Fóra, em cada um anno, nas devassas geraes, que tirarem, a perguntar particularmente, se os ditos Meirinhos e Alcaides são negligentes em coutar, e demandar as ditas cousas, ou se dissimulam, e passam pelas pessoas, que as trazem, ou mandam fazer, ou fazem, sem lhes coutar, ou demandar.

E mando ao meu Chanceller-mór, que faça logo publicar esta Lei na Chancellaria na fórma, que nella se costumam publicar semelhantes Leis, para que, do dia da publicaçào della, assim na dita Chancellaria, como nas outras partes, em que se ha de publicar dos termos assignados, se dê a execução; enviando logo Cartas com o traslado della, sob meu Sello e seu signal, aos ditos Corregedores, Provedores, e Ouvidores das Commarcas, para que a publiquem, e façam publicar nos Logares, aonde estiverem, e nos mais de suas Commarcas e para que seja notorio a todos o que nela se contem, se registará no Livro da Mesa do despacho dos meus Desembargadores do Paço, e nos das Relações das ditas Casas da Supplicação, e do Porto, em que se registam semelhantes Leis: e nas Secretarias de Estado e Mercês. Manoel da Silva Collaço a fez, em Lisboa, a 25 de Janeiro 1677, Francisco Pereira de Castello-Branco a fez escrever. = PRINCIPE.

Liv. V. do Desembargo do Paço fol. 271.

Como podemos ler da "pragmática", o objetivo mercantilista é disfarçado sob uma máscara moral de combate ao luxo supérfluo, cujo desiderato era a não importação dos têxteis luxuosos, os quais não poderiam ser produzidos localmente, tanto que esses artigos, caso proviessem das Conquistas, poderiam ser usados, como disciplina o Item II.

Paralelamente, Dom Luís mandou vir técnicos da Inglaterra e fez o que pôde para incentivar essa indústria, projeto não mantido após sua morte, pois seus sucessores priorizaram a exportação de vinho.

Quanto ao vocabulário, temos "jogos de parar", que o Michaelis define como "aquele em que uma pessoa faz banca, e as outras, que jogam os pontos, apontam ou param (fazem apostas) contra ela".

Serviçais citados: cocheiro, quem conduz o coche e demais veículos; liteireiro, que conduz a liteira; lacaio, criado que acompanha o amo à pé, ou fica em pé na parte traseira do coche; e mochila, rapaz, que não traz espada, e vai adiante do cavalo ou carruagem do amo.

Veículos citados: coche, nome genérico para carruagens de quatro rodas; carroça, coche grande, ou com grades para colocar carga; caleja, que os dicionários definem como rua pequena, no caso é uma variante de caleça, sege mais grosseira, para usar nas estradas; estufa, um coche com quatro ou seis lugares; liteira, um veículo desprovido de rodas, pendurado numa espécie de viga, sustentada por animais, ou, as menores, por homens; e sege, carruagem pequena de passeio. Esses nomes são algo genéricos e intercambiáveis, salvo a liteira e, talvez, a sege.

Foi usado o excelente serviço de transcrição grátis online OCR.Space (https://ocr.space/). Nossos agradecimentos.

Fontes:

BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712 - 1728. 8 v.

PINTO, Luiz Maria da Silva. Diccionario da Lingua Brasileira por Luiz Maria da Silva Pinto, natural da Provincia de Goyaz. Na Typographia de Silva, 1832.

PORTUGAL. Carta de Lei de 25 de janeiro de 1677. Pragmática sobre os trajos e jogos de parar. in SILVA, José Justino de Andrada e Silva. Collecção Chronológica da Legislação Portugueza Compilada e Annotada. Segunda Serie (Conclusão) 1675-1683 e Supplemento à Segunda Serie 1641-1685. Lisboa: Imprensa de F. X. de Souza, 1857

SILVA, Antonio Moraes. Diccionario da lingua portugueza. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813.

SIMONSEN, Roberto C. História Econômica do Brasil. 1500-1820. Brasília: Senado Federal, 2005.

VIEIRA, Frei Domingos. Grande Diccionário Portuguez ou Thesouro da Língua Portugueza. Porto: Casa dos Editores Ernesto Chardron e Bartholomeu H. de Moraes, 1871.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Portugal-Inglaterra: a mais antiga alianca diplomatica do mundo - tratado de 1353

Esse tratado deixou de existir, mas os dois países mantêm outro, o mais antigo do mundo, de aliança e amizade, feito bem antes do Reino Unido, logo depois da restauração portuguêsa de 1640. Como nunca foi denunciado, permanece em vigor, por mais de três séculos...
Grato a meu amigo Paulo Werneck por mais esta pérola.
Paulo Roberto de Almeida

Tratado de Boa Vizinhança em 1353 com a Inglaterra (II)
Blog Guardamoria, 01 Jan 2015
Paulo Werneck

Recentemente encontrei, em Internet Archive, a coleção dos 18 volumes do "Quadro Elementar das Relações Politicas e Diplomáticas de Portugal com as Diversas Potencias do Mundo Desde o Principio da Monarchia Portugueza Até aos Nossos Dias", redigido pelo segundo Visconde de Santarém, diplomata e historiador.

A coleção registra documentos - tratados, cartas, até mesmo eventos - que mostram as relações de Portugal com o resto do mundo, desde priscas eras, os volumes organizados cronologicamente por nações.

O volume 14 contempla um extrato do tratado que denominei de Boa Vizinhança, que está copiada a seguir, para o leitor usar como uma segunda leitura do referido tratado, publicado na íntegra na postagem "Tratado de Boa Vizinhança em 1353 com a Inglaterra", com a minha tradução leiga:
Tratado de commercio por 50 annos entre Duarte III, Rei d'Inglaterra, e os mercadores, maritimos, e communidades da marinha das cidades e villas maritimas de Portugal, sendo Enviado destas Affonso Martins Alho, que assignou o mesmo Tratado.

Principia este acto pela forma seguinte: «Seja a todos notório, que as gentes, os mercadores, communidades (associações) das cidades maritimas de Lisboa e Porto, e outras do Reino e Senhorios do Rei de Portugal e do Algarve, enviárão Affonso Martins, chamado Alho, como seu mensageiro e procurador perante o excellente Principe, Edwardo pela graça de Deos Rei d'Inglaterra e de França, afim de se contractar e firmar um Tratado de amizade e alliança entre o dito Rei, seus vassallos e os povos, mercadores, maritimos, e communidades das ditas cidades maritimas de Portugal com todas em geral, e com cada uma dellas em particular para sempre, ou por um tempo determinado, em consequencia do que resolve e determina ElRei que se estabeleça uma alliança firme e d'amizade, afim de entreter a melhor affeição entre o dito Rei d'Inglaterra e a de seus vassallos, e os do sobredito povo e cidades maritimas de Portugal, para mutua vantagem e proveito de ambas as partes. Em virtude do que se estipulou o seguinte:

1.º Haveria a melhor intelligencia e firme alliança tanto por mar, como por terra, entre as ditas partes contractantes, por 50 annos a partir da data deste Tratado.

2.º Em consequência disso, os vassallos d'ElRei d'Inglaterra não serião injuriados nem maltratados, tanto nas suas pessoas como nos seus navios, mercadorias ou outros objectos a elles pertencentes, pelos mercadores e maritimos, ou communidades das cidades maritimas de Lisboa e Porto.

3.º Pela mesma maneira o povo, mercadores e communidades das sobreditas cidades não receberião injuria, vexação, ou prejuizo nas suas pessoas, navios, mercadorias ou outros objectos dos maritimos de Inglaterra, Gasconha, Irlanda e de Galles, nem de nenhum outro subdito d'ElRei de Inglaterra.

4.º Nenhum dos povos ou subditos de uma ou de outra parte poderia contractar alliança com os inimigos, opponentes, ou adversários da outra, nem causar-lhe prejuizo, nem prestar-lhe ajuda ou soccorro.

5.º Estipula-se igualmente que os subditos commerciantes, maritimos e quaesquer outros de que condição forem de uma e de outra parte possão livremente, e com toda a segurança, ir e voltar por mar ou por terra a todos os portos de mar, cidades e villas de um e de outro paiz, e passar por todos os logares dos ditos Reinos quando e onde lhes convier, assim como seus navios grandes e pequenos, e Iodas as mercadorias que trouxerem nos seus ditos navios, de qualquer paiz de onde ellas possão provir.

6.º Todas as disputas, dissensões e discórdias que existirão nos tempos passados, bem como todos os damnos e prejuizos causados por uma ou por outra das partes (contractantes) anteriormente á data do presente Tratado (se por ventura existem) serão (e annullandas) annuladas para sempre, e não se intentará nenhuma acção nem processo por nenhuma das duas partes.

Se porêm no futuro alguma das duas partes contractantes causar algum aggravo ou prejuizo á outra, neste caso o aggravo, ou damno será devidamente reparado pelos senhorios ou autoridades das partes respectivas, e a parte prejudicada será indemnizada das despezas que fizer no proseguimento da pessoa ou dos bens da pessoa que lhe tiver causado o prejuizo.

No caso porêm que esta não possua sufficientes mercadorias ou bens para pagar as multas será constrangido e preso, e justiça será feita em proveito da pessoa que soffreu o aggravo.

7.º Estipula-se também que no caso que ElRei d'Inglaterra, ou algum dos seus vassallos, tome ou ganhe sobre seus adversarios alguma cidade, castello, ou porto no qual se achem mercadorias, ou fazendas pertencentes ao povo, mercadores, maritimos ou communidades das cidades mencionadas (Lisboa e Porto, etc), ou navios nos quaes se encontrem mercadorias pertencentes ás mesmas, nesse caso o dito Rei d'Inglaterra e de França, ou a pessoa que commandar em seu nome, procederá a uma pesquiza sobre a pessoa em cujas mãos se achão taes mercadorias ou effeitos, fazendo taes diligencias conforme a Lei, e exibindo este Tratado, afim de que taes navios e mercadorias sejão restituidas e recobradas pelo povo, mercadores, maritimos ou outras pessoas das associações maritimas acima mencionadas, tendo estas declarado previamente com juramento que estas lhes pertencião.

Advertindo todavia que taes navios não estejão armados, ou que tenhão dado ajuda ou auxilio aos inimigos do dito Rei d'Inglaterra. No caso que algum dos ditos navios seja encontrado armado, ou lendo assistido ou soccorrido os inimigos do dito Rei, perderá os seus bens e das pessoas a quem pertencerem, mas que os outros que cumprirem lealmente este acordo não deverão experimentar nenhum damno.

Outrosim no caso que os vassallos do dito Rei d'Inglaterra e de França tomem ou capturem no mar, ou em um porto, algum ou alguns navios dos seus adversários e inimigos, e que nelles se encontrar algumas mercadorias ou objectos pertencentes ás ditas cidades maritimas, estas serão transportadas para Inglaterra onde serão cuidadosamente guardadas até que os interessados provem o seu direito a ellas.

Em idênticos casos o mesmo será observado pelo povo e marinha das ditas cidades a respeito dos vassallos do dito Rei d'Inglaterra.

8.º Outrosim se ajustou que os pescadores das ditas cidades maritimas (de Portugal) poderão ir pescar livremente sem incorrer em nenhum perigo nos portos d'Inglaterra e de Bretanha, e nos outros portos e logares que elles julgarem opportunos, pagando somente os direitos (costumes) devidos ao senhor do paiz.

Feito era Londres a 20 d'Outubro do anno da graça de 1353
Veja também:
Tratado de Boa Vizinhança em 1353 com a Inglaterra.

Fonte:
CARVALHOSA, Manuel Francisco de Barros e Sousa de Mesquita de Macedo Leitão e (Visconde de Santarém). Quadro Elementar das Relações Politicas e Diplomáticas de Portugal com as Diversas Potencias do Mundo Desde o Principio da Monarchia Portugueza Até aos Nossos Dias. Tomo 14. Segunda edição. Páginas 39 a 43. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1865. Disponível em Internet Archive (www.archive.org).

segunda-feira, 17 de março de 2014

Exacao fiscal, prevaricacao, males antigos, males atuais - Guardamoria (Paulo Werneck)

Parece que nossos males não são nossos, e não são atuais. Parece não, assim é, desde tempos imemoriais, como nos lembra o sempre brilhante pesquisador de coisas antigas (talvez não sabidas) Paulo Werneck, no seu sempre atraente Guardamoria...
Grato Paulo...
Paulo Roberto de Almeida




Guardamoria, 16 Mar 2014 03:22 PM PDT
Paulo Werneck

Um fiscal aduaneiro, enquanto autoridade estatal, é a voz do Estado. Em tempos idos era a voz do próprio Rei. Tempos idos por aqui, pois no Reino Unido, por exemplo, continua o sendo. Assim o público tem que o obedecer, mas esse poder oferece a oportunidade de que seja mal usado, ou mesmo usado em benefício da autoridade, ultrapassando o que dela era esperado.

Modernamente isso é denominado excesso de exação, está previsto no artigo 316 do Código Penal Brasileiro, e é considerado crime do funcionário contra a administração pública, caracterizado por uma cobrança que o servidor sabe ou deveria saber que é indevida, ou fazer a cobrança de modo humilhante, socialmente inadequada ou abusiva.

O contrário, também ilegal, é a prevaricação, retardardar ou deixar de praticar o ato devido, previsto no artigo  seguinte do mesmo código, ou seja, o 319.

Esses crimes não são novos e em 1211 a administração de Afonso II, terceiro rei de Portugal,  se preocupa de coibir a prevaricação, como relata João Pedro Ribeiro. 
Reinado do Senhor D. Affonso II
Era 1229 (An. 1211)
.....
22.ª Que fossem castigados os Officiaes da Fazenda que prevaricassem nos seus officios.
L. A. Ibid. in fine F. A. S. f. 26. v. A. Liv. 2. tit. 42.
.....
onde "L. A." era abreviação "Codice de Leis Antigas no R. Archivo, ou L.º A. da Camara do Porto", "F. A. S." abreviação de Foral Antigo de Santarem no R. Archivo, impresso no Tomo 4. dos Ineditos da Academia, Tomo 4, pag. 531" e "A." era abreviação de "Ordenação Alfonsina".

O Título 42 trata dos tesoureiros, almoxarifes, e outros Oficiais d'ElRey, que lhe furtam, ou enganosamente malbaratam o que por causa dele receberam, com base numa lei de Afonso III (outro rei), muito mais geral e com castigos corporais: nada ou pouco a ver. 
Todavia essa norma pode ser encontrada de forma mais extensa no Livro das Leis e Posturas compilado no governo de Dom Duarte, mas, na ementa parece que é o oposto que é punido, o excesso de exação, cobrar mais do que foi mandado. 
Estas som as leys e as posturas que fez o muy nobre Rey Dom afonsso de Portugal e mandou aos Reys que ueesem depos el que as guardassem.
.....
Constituição XXII
Stabeleçjmento do porteyro delRey em como nom deue fazer eyxecuçom mays do que lhi he mandado

Se nosso porteyro quer com fuste. quer com letras ou per sy for fazer eyxacuçom contra alguem sse aquel ssobre que faz a eyxacuçom for ia Julgado em nossa corte sobre esto nom Reçeba nenhũa cauçom. Mais de todo em todo faça a eyxacuçom se mais nom fezer ca em na nossa sentença he mandado ¶ E se aquelo sobre que fez a exacuçom nom for primeiramente en nosa corte Julgado. ou que nom foy de nenhũu Julgado se este contra que fezerem a eyxacuçom o porteyro quer dar bõa cauçom ou penhores dante dous ou tres homeens boons pera estar a nosso Jujzo. E o porteyro nom o quer Reçeber mais quer o penhorar. Esto seia testemunhado dante dous homeens boons. e entom tolha lhi per força a penhora sem coomha nenhũa ¶ E sse cauçom nom quiser dar a nenhũa guisa nom tolha a penhora. e sse a tolher seia peado em quinhentos. soldos.
Há que se atentar para a grafia: i pode significar j e vice versa, e para algumas palavras, como porteyro, fuste, letras, eyxacuçom, cauçom, coomha, peado, soldo.

Cauçom basta atualizar para caução, eyxacuçom para execução 

O porteyro seria o oficial da Fazenda, atual fiscal de tributos, considerando a atualização do texto levada a cabo por Ribeiro. Segundo Bluteau, haviam diversas modalidades de porteiros, inclusive aqueles que podiam fazer penhora e execução. 

Segundo Viterbo, fuste seria um sinal que o juiz daria ao porteiro para que este pudesse ser reconhecido como representante do magistrado e com isso citar o devedor, de modo semelhante ao que usa hoje o oficial de justiça.

Coomnha seria o mesmo que calumpnia e calumnia, significando acusação falsa, mas também multa (Viterbo).  


Peado significava condenado a uma pena (Viterbo), no caso, em quinhentos soldos.

Soldo era o nome de uma moeda, derivada de outra romana, dita solidus, porquanto sólida, confiável (Viterbo).

Quanto ao valor, sabemos de D. Afonso III estabeleceu, pela Carta de Lei de 7 de janeiro de 1253, que doze dinheiros faziam um soldo e vinte soldos perfaziam uma libra, moeda de conta, isto é, sem existência real, como recentemente as nossas URVs. Quanto valiam os quinhentos soldos ou 25 libras no bolso do porteiro desonesto é deixado para que o leitor pesquise...

Da norma depreende-se que se o oficial da fazenda por qualquer modo - procurador, carta ou em pessoa - fizer a execução ou cobrança de algo ao particular, se este já houver sido condenado, não pode receber caução, caso contrário pode receber a caução ou fiança, mas se o particular não apresentar garantia, deve efetuar a penhora, e se não a efetuar, é punido, por deixar de praticar o ato, ou seja, por prevaricar.

Fontes:

BLUTEAU, Rafael. Vocabulario Portuguez e Latino. 8 volumes e dois suplementos. Lisboa: diversos impressores, 1712 a 1727 (dependendo do volume).


FERNANDES, Manuel Bernardo Lopes. Memória das Moedas Correntes em Portugal desde o tempo dos romanos até o anno de 1856. Lisboa: Typographia da Academia, 1856.

PORTUGAL. Livro das Leis e Posturas. Leitura paleográfica de Maria Teresa Campos Rodrigues. Pag. 12. Lisboa: Universidade de Lisboa. Faculdade de Direito, 1971.

RIBEIRO, João Pedro Ribeiro. Additamentos e Retoques á Synopse Chronologica. Pag. 3. Lisboa: Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1829.

VITERBO, Fr. Joaquim de Santa Rosa de. Elucidário das Palavras, Termos e Frase Antiquadas da Língua Portuguesa. Lisboa: A. J. Fernandes Lopes, 1867.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Conversao de arquivos digitais em arquivos de textos - OCR, by Guardamoria

Meu amigo Paulo Werneck sempre prestando bons favores aos pesquisadores.


Paulo Werneck
Blog Guardamoria, 19 Sep 2013 07:59 PM PDT

Os textos apresentados aqui no Guardamoria são, em geral, obtidos na Internet, sob a forma de arquivos de imagem (jpg, pnt) ou pdf, e convertidos para texto. Alguns, felizmente poucos, são copiados em bibliotecas.

Algumas conversões foram feitas na base da cópia pura e simples, ou seja, alguém lê o texto e o digita, mas existem ferramentas denominadas OCR, acrônimo de Optical Character Recognition, em vernáculo Reconhecimento Ótico de Caracteres, que fazem o trabalho de conversão automaticamente.

O primeiro problema é que os textos são cópias de textos antigos, impressos há séculos, com caracteres irregulares, muitas manchas de oxidação do papel ou da tinta, umidade, insetos, além do formato dos caracteres muitas vezes ser bem diferente do formato atual, em especial o "ſ", forma antigamente usada para o "s" em algumas posições na palavra, nunca no final, e que se parece extremamente com o "f".

Essas características acabam ocasionando muitos erros de conversão, que precisam ser corrigidos manualmente, pela comparação visual entre o texto original e o convertido mecanicamente.

Um segundo problema é o próprio software OCR. Há versões pagas, há versões on line. Guardamoria prefere as gratuitas, on line e simples de usar, que tenham razoável taxa de acertos, ou baixa taxa de erros.

Assim recomenda o Free Online OCR, da Smart Soft, disponível em free-online-ocr.com, uma ferramenta bem simples de usar: basta subir o arquivo (PDF, GIF, BMP, JPEG, TIFF or PNG), selecionar o formato de saída (DOC, PDF, RTFou TXT) e pressionar o botão "Convert".


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What is OCR?

OCR (Optical Character Recognition) is a technology that extracts the text from an image or a scanned document so that it can be edited, formatted, searched, indexed, automatically translated or converted to speech.
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sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Portugueses estreitamente vigiados (e nao e' de agora) - Paulo Werneck

Sem Escalas

Paulo Werneck
Guardamoria, 14/09/2013
Pedro II
Fonte: Wikipedia

Algumas leis proibiram que estrangeiros aportassem nos domínios portugueses, mas esta a seguir, de Pedro II, proibia que portugueses aportassem em portos estrangeiros. A idéia de ambas as proibições é impedir que riquezas existentes nas conquistas lusas fossem parar nos mercados de consumo sem pagar o "pedágio" devido nas alfândegas reais.

Pedro II, não o nosso imperador, claro, mas o bisavô e trisavô de dom João VI. Nosso Dom João era filho de Dona Maria I, a louca, com Pedro III, e Pedro III era irmão de Dom João V, neto de Pedro II e pai de Dona Maria... Não admira que ela tenha ficado louca, mãe e prima de Dom João.

Chega de papo de família e vamos à lei. 
Traslado da Lei promulgada em doze de Dezembro de ſeiſcentos oitenta e quatro. 

Dom Pedro por graça de Deos Rei de Portugal, e dos Algarves, daquém, e dalém mar, em África Senhor de Guiné, e da Conquiſta, Navegação, Commercio da Ethiopia, Arábia, Perſia, e da India, &c. Faço ſaber a quantos eſta minha Lei geral virem, que por experiencia ter moſtrado os grandes deſcaminhos, que ſe fazem nos direitos de minhas Alfandegas, e Eſtancos, nos Navios que ſe recolhem em pórtos eſtranhos, e outros juſtos reſpeitos, que a iſſo me movêrão: fui ſervido com o acordo dos do meu Conſelho, eſtabelecer a preſente Lei geral, pela qual prohibo, e mando, que nenhum Navio, ou embarcação de qualquer lote que ſeja, que do eſtado do Braſil, Maranhão, e mais Conquiſtas vier para eſte Reino, ou para as Ilhas adjacentes, poſſa ſem evidente perigo do mar, ou Coſſario, tomar porto eſtranho, nem nelle fazer efcala, e o Meſtre do Navio, ou embarcação de qualquer lote que ſeja, que contra a prohibição deſta minha Lei entrar voluntariamente em porto eſtranho, por eſte meſmo feito perderá os ſeus bens, em que tambem ſe comprehenderá a parte que tiver no meſmo Navio, ou embarcações, e ſerá degredado dez annos para o Eſtado da India, aonde não poderá nunca mais ſer Meſtre, ou ter occupação alguma de mandar, excepto a de Marinheiro; e nas meſmas penas incorreráõ os Pilotos dos ditos Navios, e embarcações; e os Senhores dellas, ou delles, que forem comprehendidos por participantes, ou ſcientes na meſma culpa, além de perderem a parte que tiverem nas ditas embarcações, incorreráõ na pena de dous mil cruzados, que já eſtava eſtabelecida por outra minha Lei, e em quatro annos de Africa. E os Meſtres dos Navios, e embarcações, que correndo com o tempo, ou corridos dos inimigos, tomarem algum porto eſtranho, por não poderem de outro modo evitar o perigo, ſe emquanto eſtiverem nelle, (que ſera ſó em quanto não ceſſar aquella cauſa) commerciarem, conſentirem, ou permíttirem que ſe tire fazenda, aſſucar, tabaco, ou outra qualquer, derogados ditos Navios, ou embarcações, incorreráõ nas meſmas penas impoſtas neſta Lei aos que tomão os ditos pórtos voluntariamente; nas quaes outroſim incorreráõ as peſſoas que tirarem, ou ajudarem a tirar das ditas embarcações qualquer dos ditos gêneros, ou fazenda que nellas venha. E para melhor obſervancia do diſpoſto neſta Lei: Hei por bem, que além das devaças que todos os annos hão de tirar neſta Corte o 0uvidor da Alfandega della, e na Cidade do Porto, e Villa de Viana, os Corregedores daquellas Comarcas, (depois de recolhidas as Frotas) ſe poſſa também denunciar em público, ou em ſegredo dos tranſgreſſores della, por qualquer Official de Juſtiça, ou peſſoa do povo, ainda que ſejão cúmplices no meſmo delicto; e ficará em ſua eſcolha poder denunciar diante dos Corregedores da Corte, ou de qualquer outro Miniſtro; e em cada huma deſtas maneiras que fação certa a tranſgreſsão deſta Lei, levará o denunciante ametade dos bens dos culpados, os quaes mandarei avaliar, para lhe dar a eſtimação da dita ametade, em caſo que não queira ſer deſcuberto; e aos cúmplices que denunciarem, ſe lhes perdoará também a meſma culpa, ſem que ſe proceda contra elles pela confiſsão, que de ſi meſmo fizerão, em caſo que não provem a denunciação; e todos os mais bens, e dinheiro que procederem das codemnações dos réos deſte crime, tirada a parte que ſe applica aos denunciantes, ſe repartiráõ igualmente para a criação dos Engeitados, Hoſpital de todos os Santos deſta Corte, e Redempção dos cativos, que poderáõ ſer parte nos proceſſos das accuſações, e condemnaçôes do dito crime; e para que venha á noticia de todos, mando ao meu Chanceller mór faça publicar eſta Lei na Chancellaria, na fórma que nella ſe coſtumão publicar ſemelhantes Leis, inviando cartas com o traslado della ſob ſeu ſinal, e meu ſello, aos Corregedores, Provedores, e Ouvidores das Comarcas, para que a publiquem, e fação publicar nos lugares aonde eſtiverem, e nos mais de ſuas Comarcas, e ſe regiſtará nos livros da Meza do Deſembargo do Paço, e nos da Caſa da Supplicação, e Relação do Porto. Manoel da Silva Collaço a fez em Lisboa a vinte e ſete de Novembro de ſeiſcentos oitenta e quatro. Franciſco Galvão a fez eſcrever. Rei. Por Decreto de Sua Mageſtade de vinte e ſete de Outubro de mil ſeiſcentos e oitenta e quatro. João Lamprea de Vargas. Diogo Marchão Themudo. João de Roxas de Azevedo. Foi publicada na Chancellaria Mór eſta Lei de Sua Mageſtade por mim Dom Sebaſtião Maldonado, Védor da dita Chancellaria, perante os Officiaes della, e de outras peſſoas, que vinhão requerer ſeus deſpachos. Lisboa doze de Dezembro de mil ſeiſcentos oitenta e quatro.
A ressaltar a prática de incentivar as denúncias, dando parte dos bens arrecadados para o denunciante, bem como a doação do restante para obras de caridade, nada ficando para o tesouro real, salvo o aumento do risco dos descaminhadores.

Também é de se notar o cuidado com que a lei é escrita, cuidando de abrir exceção para os casos de força maior, mas cuidando, nesse caso, de manter firme o que Miguel Reale denominaria o "valor" da norma, qual seja o não descaminho das mercadorias.

Por redenção dos cativos devemos entender o pagamento dos resgates exigidos pelos mouros para libertar os portugueses por eles aprisionados, prática usual da época.


Fonte:

José Roberto Monteiro de Campos Coelho e Sousa. Systema, ou Collecção dos Regimentos Reaes. Tomo Quarto. Lisboa: Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1785.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Mudanca de calendario: da era de Cesar para a de Cristo - Guardamoria

Meu bom amigo Paulo Werneck, sempre desenterrando coisas impossíveis e pouco sabidas, nos informa sobre a mudança do calendário em Portugal medieval, para o nosso sistema atual. Os demais países europeus devem também ter adotado o novo calendário em torno do mesmo período, se, por acaso, fossem especialmente devotados às instruções papais como era o Reino de Portugal.
Paulo Roberto de Almeida

Gudamoria, 19 May 2013 06:57 AM PDT
Paulo Werneck

Portugal usou duas datações diferentes, inicialmente a Era de César, ou Era Hispãnica, e depois a Era Cristã. A Era de Cesar começava a contar em 1º de janeiro de 38 antes de Cristo, de modo que a conversão entre uma e outra é muito simples: basta subtrair ou somar 38:
Era de Cesar = Era Cristã + 38
Era Cristã = Era de Cesar - 38

A passagem de uma para outra deu-se em 1460 da Era de Cesar, ou 1422 da Era Cristã, por determinação do Rei Dom João I, como registrado na Synopsis Chronologica:

ANNO de 1422
Lei, ou Determinação Regia do Senhor Rei D. João I, de 22 de Agoſto de 1422, para que todos os Taballiaens, e Eſcrivaẽs ponhão em todos os Contractos, e Eſcripturas, que fizerem: Anno do Naſcimento de Noſſo Senhor Jeſus Chriſto, aſſim como antes coſtumavão pôr: Era de Ceſar, ſob pena de perdimento dos Officios.

Ordenaçoẽs antigas dos Senhores Reis, D. Affonso V. liv. 4. tit. 65. ſegundo o Exemplar da Torre do Tombo, ou 64. ſegundo o da Camara do Porto; e D. Manoel liv. 4. tit. 51. 
Souſa, Tom. 1 das Provas do liv. 3. da Hiſtor. Geneal. da Caſa Real Portug. n. 5. pag. 363.
Se a lei houvesse sido publicada no Bolletim Ellecthronico da Chancellaria, e todos tiveſſem della tomado conhecimento immediatamente, nesse exato dia os documentos passariam a ser datados com 38 anos a menos, ou seja, o dia seguinte ao 22 de agosto de 1422 (da Era de Cesar) teria sido o 23 de agosto de 1384 (da Era Cristã) em todo o Reino de Portugal.

Isso, por óbvio, não aconteceu. A lei era assinada por quem de direito, depois tiravam-se algumas cópias manuscritas, as cópias eram enviadas por mensageiros a cavalo para alguns lugares, por barco para outros, novamente copiadas, novamente distribuidas, até que algum tempo depois, sabe-se lá quanto, todo o Reino estivesse informado.

Outrossim, mesmo que existisse internet naquela época, tudo acabaria por depender do escrivão ou tabelião efetivamente escrever no texto a expressão Era de Cesar ou a expressão Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nem todos o faziam.

Para piorar o problema, nossos benfeitores, aqueles que pesquisaram arquivos e regidiram as coleções de leis que servem de base para os historiadores atuais, em razão da perda dos documentos originais, nem sempre atentaram para a questão da mudança da datação.

Assim temos que ter especial atenção com as datas anteriores a 1422, ou 1430, colocando-se uma margem de segurança, para termos certeza se o ano em questão refere-se à uma ou à outra datação.

Esse problema não é novo, como podemos comprovar com o raciocínio exposto no Repertorio chronologico: 
ANNO DE 1360
Concordia do Senhor Rei D. Pedro I, de ... de ...... de 1360 com os Prelados do Reino. Eſsta Era de 1360 he a de Chriſto; porque a conſiderar-ſe ſer a de Ceſar, e diminuindo-ſe 38 annos, para ſe ſaber que a de Chriſto, que lhe correſponde, he de 1322, e tendo-ſe por certo, que o dito Monarca foi coroado em 1357 da Era de Chriſto, poſteriormente ao anno de 1322, em o qual naõ podia já ter feito a dita Concordia, porque ainda naõ governava; vem-ſe a ſeguir, que fazendo-a no anno de 1360, he eſta data a Era de Chriſto, e naõ de Ceſar; cujo Senhor Rei D. Pedro morreo no anno de 1367.

Pereira de Manu Regia no fim da part. I. Concordia do dito Rei, n. 142 até 175. 
Monomachia ſobre as Concordias, cap. 8. p. mihi 138.
Na dúvida há que se procurar relacionar o documento em questão com os demais fatos conhecidos, para podermos sanar a questão.

Fontes:
FIGUEIREDO, José Anastásio de. Synopsis Chronologica de Subsidios ainda os mais raros para a Historia e Estudi Critico da Legislação Portuguesa. Tomo I. Pags. 19 e 20. Lisboa: Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1790.
PORTUGAL. Repertorio chronologico das leis, pragmaticas, alvarás,... / extrahido de muitas collecções, e diversos authores por J. P. D. R. X. D. S. - Pags. 6 a 7. Lisboa : Francisco Luiz Ameno, 1783.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Sciencia Economica, ao estilo classico - Paulo Werneck

Meu amigo Paulo Werneck, aduaneiro de profissão, historiador de coração, mantém uma das mais interessantes páginas de história econômica e de comércio exterior que eu conheço: Guardamoria.
Lá é onde ele guarda, mas nos mostra, os mais diferentes acepipes de sua vasta cozinha de pesquisas, com seus comentários intercalados a sondas informações históricas e úteis esclarecimentos sobre os fundamentos de nossa atual economia.
Estão duvidando que o Estado brasileiro -- e o português antes dele -- sempre foi um tosquiador dos contribuintes, dos empresários, dos comerciantes? Não tem problema: basta consultar a página do Guardamoria para lá sair com essa péssima impressão. Somos vítimas, há séculos, de um Estado espoliador, explorador, prebendalista, gastador improdutivo e todos os outros qualificativos que vocês preferirem.
Mas, no momento, apenas um reflexo das coisas boas que muito de vez em quando também produzimos.
José da Silva Lisboa, o homem que antecipou a inteligência como fator de produção, nisso superando Adam Smith.
Paulo Werneck nos faz o favor de revisitar nossa história.
Paulo Roberto de Almeida 



Posted: 26 Sep 2011 12:34 PM PDT
Paulo Werneck

Visconde de Cairu 

Em 1º de novembro de 1755, quando o Grande Terremoto de Lisboa destruiu a cidade, Dom José I governava um país entregue às chamas da inquisição e fechado ao renascimento científico. A outrora modelar Universidade de Coimbra estava fechada no ensino do direito canônico, banidos Descartes e Newton. 

Apresentou-se, "para enterrar os mortos e alimentar os vivos", Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, que a partir do desastre veio a se tornar ministro todo poderoso, reconstrutor de Lisboa e modernizador de Portugal. 

Pombal havia sido embaixador do Reino em Londres, onde conheceu as idéias de Jean-Baptiste Colbert, pensador mercantilista, que havia sido ministro de Luís XIV e é considerado pai da Aduana francesa. Tal pensamento, para um reino atavicamente atrasado, sem indústria, mera sanguessuga de um império colonial problemático, foi uma renovação 

Entretanto, morto José I, sua filha Maria Francisca, que se tornou a rainha Dona Maria I, a Louca, o colocou no ostracismo e começou a desfazer a sua obra, restaurando a influência da Igreja e da velha nobreza. 

Quando o Príncipe Regente chegou ao Brasil, fugindo dos franceses para manter o trono, uma nova mudança de ventos se fez patente: Dom João, preocupado com a administração científica do Reino, nomeou José da Silva Lisboa professor de Ciência Econômica, para ministrar aulas no Rio de Janeiro, pelo Decreto de 23 de fevereiro de 1808, passado ainda na Bahia:
Sendo absolutamente necessario o estudo da Sciencia Economica na presente conjunctura em que o Brazil offerece a melhor occasião de se pôr em pratica muitos dos seus principios, para que os meus vassallos sendo melhor instruidos nelle, me possam servir com mais vantagem: e por me constar que José da Silva Lisboa, Deputado e Secretario da Mesa da Inspecção da Agricultura e Commercio da Cidade da Bahia, tem dado todas as provas de ser muito habil para o ensino daquella sciencia sem a qual se caminha ás cegas e com passos muito lentos, e ás vezes contrarios nas materias do Governo, lhe faço mercê da propriedade e regencia de uma Cadeira e Aula Publica, que por este mesmo Decreto sou servido crear no Rio de Janeiro, com e ordenado de 400$000 para ir exercitar, conservando os ordenados dos dous logares que até agora tem occupado na Bahia. As Juntas da Fazenda de uma e de outra Capitania o tenham assim entendido e fação executar. Bahia 23 de Fevereiro de 1808. Com a rubrica do Principe Regente Nosso Senhor.
Lisboa, futuro Visconde de Cairu, à semelhança de Pombal, havia estudado Adam Smith, um dos primeiros economistas clássicos. Não cabe aqui traçar-lhe uma biografia. Basta informar que ele havia tomado posse dos cargos na Mesa da Inspeção da Agricultura e Comercio, por determinação do próprio Príncipe Regente em 23 de julho de 1798 e havia publicado, em Lisboa, as obras "Princípios do Direito Mercantil e Leis da Marinha" e "Princípios de Economia Política".


Deve-se notar que Cairú não chegou a exercer o cargo de professor, mas isso não o desabona, pois foi muito ativo na aplicação dos princípios econômicos que defendia, como membro do governo, e na divulgação dos mesmos por meio de obras escritas. 

Note-se que, por graça de Dom João, continuou a receber a remuneração pelos cargos que exercia na Bahia, apesar de se mudar para o Rio de Janeiro, numa época em que as comunicações eram demoradas e difíceis, e não se pode dizer que possuísse o dom da ubiquidade de Santo Antonio, quem foi alistado como major de infantaria nas tropas de linha tanto do Rio de Janeiro como da Bahia, percebendo os respectivos soldos (Decretos de 14 de julho de 1810 e 13 de setembro de 1810). 

Referências 

BRASIL. Colecção das Leis do Brazil de 1808: Cartas de Lei, Alvarás, Decretos e Cartas Régias. p. 2. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891. Disponível em www.camara.gov.br

BRASIL. Colecção das Leis do Brazil de 1810: Cartas de Lei, Alvarás, Decretos e Cartas Régias. p. 125 e 149. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891. Disponível em www.camara.gov.br

BRUE, Stanley L. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Pioneira, 2005. 

FARIA JÚNIOR, Carlos de. O Pensamento Econômico de José da Silva Lisboa, Visconde de Cairú. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Econômica do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Doutor em História. São Paulo: USP, 2008. 

SHRADY, Nicholas. O Último Dia do Mundo: Fúria, ruína e razão no grande terremoto de Lisboa de 1755. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

domingo, 25 de setembro de 2011

As alfandegas do Brasil em 1808 - Paulo Werneck

Meu amigo historiador econômico e especialista em comércio exterior Paulo Werneck continua garimpando os arquivos para "desenterrar", literalmente, jóias da Coroa, ou melhor, nossos velhos conhecidos, os impostos alfandegários. 
Parece que a voracidade vem de longe, sempre existiu e não parece perto de terminar...
Paulo Roberto de Almeida 

Guardamoria, 24 Sep 2011 09:45 AM PDT
Paulo Werneck

A Carta Régia da Abertura dos Portos definiu que na entrada deveriam ser cobrados vinte e quatro por cento; a saber:
vinte de Direitos grossos, e quatro do Donativo já estabelecido, regulando-se a cobrança destes direitos pelas Pautas, ou Aforamentos, por que até o presente se regulão cada huma das ditas Alfandegas, ficando os Vinhos, e Aguas Ardentes, e Azeites doces, que se denominão Molhados, pagando o dobro dos Direitos, que até agora nellas satisfazião.

Direitos Grossos

Direitos grossos, segundo Godoy, apud Cavalcanti, correspondem aos Direitos grandes, vigentes nas alfândegas portuguesas, sendo a soma da sisa e da dízima da alfândega.

Efetivamente, no Capítulo LXXII do Foral da Alfândega de Lisboa, "Que trata dos direitos que devem pagar todas as mercadorias de qualquer sorte, e qualidade que forem", estão estabelecidos 10% de alíquota para cada um desses tributos:
Ordeno, e mando, que todas as mercadorias de qualquer ſorte, e qualidade que ſejaõ que á dita Alfandega vierem, e a ella pertencerem, vindo dos portos do Reino por ſoz, e fóra delle por mar, ou por terra, ſe paguem na dita Alfandega dez por cento de dizima, e dez por cento de ſiza logo por entrada, os quaes direitos ſe pagaráõ, e arrecadaráõ inteiramente pela ordem deſte Foral, tirando das mercadorias abaixo declaradas.

Donativos

Quanto ao donativo de 4% já estabelecido, qual seria? Temos uma pista dada por Carrara: haveria um donativo real da alfândega da praça do Recife, pelo prejuízo do terremoto de Lisboa, oferecido deste 1756, e que por ordem régia ficaria extinto em março de 1805. A favor dessa pista temos alíquota e hipótese de incidência idênticos.

Entretanto Ferro apresenta, num estudo sobre os protestos ocorridos em Salvador contra o referido donativo, uma extensa lista das diferentes hipóteses de incidência do mesmo nas diversas capitanias, o que depõe contra a generalidade da imposição do donativo nas alfândegas.

Ficamos assim, por enquanto, na dúvida.

Pautas ou Aforamentos

Apesar de a carta régia definir os direitos como ad valorem, ou seja, calculados sobre o valor das mercadorias, determina que sejam utilizadas as pautas ou aforamentos. Tais pautas consistiam em listas de mercadorias que determinavam a quantia a ser cobrada em cada caso.

Por exemplo, uma pauta utilizada na Bahia, em 1789, relacionava as mercadorias em ordem alfabética, separadamente por "drogas", vendidas por quantidade; "fazendas pertencentes ao pezo", vendidas a peso; "fazendas pertencentes ao sello", que também pagavam imposto do selo; e "fazendas da Asia", produzidas nas possessões portuguesas.

Exemplos de drogas e fazendas pertencentes ao selo:
anzois miudos o milheiro mil r .......... 1@000
anagoas de aniagem cada huma quatrocentos r .......... @400

Na hora do despacho, os valores das mercadorias não eram avaliados com base nos documentos dos importadores, mas eram utilizados aqueles previamente arbitrados pelas autoridades, os quais não eram inseridos nas pautas, mas já os montantes dos direitos a serem cobrados, como se tratasse de alíquotas específicas (isto é, alíquotas sobre quantidade, peso ou outra característica da mercadorias).

Veja também neste blog:

Referências:
CARRARA, Angelo Alves. Receitas e Despesas da Real Fazenda no Brasil, século XVIII: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2009.
CAVALCANTI, Amaro. Elementos de Finanças. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1896.
FERRO, Carolina Chaves. Terremoto em Lisboa, Tremor na Bahia: Um protesto contra o donativo para a reconstrução de Lisboa (1755-1757). Dissertação (Mestrado em História). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2009.
GODOY, José Eduardo Pimentel de. Dicionário de História Tributária do Brasil. Brasília: ESAF, 2002.
PORTUGAL. Cópia da pauta que serve na alfândega da cidade da Bª. pª. despacho das mercadorias que nella entrão, mandada tirar pelo Dezor. Provedor atual Felipe José de Faia. Datada da Bahia 14 de outubro de 1789 e assinada pelo administrador da Alfândega Agostinho José Barreto. [Disponível na Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro). Manuscrito em bom estado]